AS MENINAS DA GINÁSTICA [Ana Coutinho]


Sempre me impressiono com essa coisa de Olimpíadas. Fico achando que se o nosso corpo permite aquilo tudo, é impossível que eu não possa dar uma cambalhota.

No entanto, esse ano, mais fortemente, tenho pensado nas meninas da ginástica olímpica. Entre todos os esportes esse me toca mais profundamente, por conta do que ele exige.

Ok, fomos feitos para ser fortes, fomos feitos para ser rápidos, fomos feitos para ser peixes até, mas não, não fomos feitos para ser equilibrados como aquelas meninas. As mocinhas, tão jovens, ficam firmes sob um fio de navalha, uma linha apenas, tão fina, tão pequena, e mantém-se de pé. Algumas tremem, outras, de forma absolutamente impressionante, conseguem ficar imóveis, intactas, frias como uma pedra de gelo, racionais como uma árvore, mudas e firmes como eu, em toda minha vida, nunca consegui ser. Nem por um instante. Talvez porque eu tenha nascido nesse país quente e borbulhante, onde ninguém fica mesmo muito parado. Inclusive elas, as ginastas brasileiras, são claramente mais emocionais, e às vezes caem. Ou dão aquela balançadinha, aquela mesmo que a gente em casa faz “ai, shhh, quase” e depois elas pairam no ar. Mas as americanas? Ou essas outras aí dos países frios? Essas nem tremem. São mansas e seguras, firmes como uma rocha, transformam-se em estátuas de cera, paralisadas, braços estendidos, corpo reto, tudo ali no seu devido lugar. Enquanto eu, do outro lado do mundo, suo por elas, caio por elas, até grito por elas.

De fato, o equilíbrio nunca foi o meu forte. Sempre pendi mais para um lado ou para o outro. Ora muito racional, escolhi que seria uma workaholic e trataria de trabalhar. Ora muito emocional achei que esse papo de ganhar dinheiro era bobagem e me joguei no amor. Já chorei por dias seguidos de dor de cotovelo e já me mantive seca, nenhuma só lágrima por longos períodos, quando decidia ser forte. E fui. Forte, fraca, calma, nervosa, mansa e doida varrida... Mas equilibrada? Nunca. Nem um só dia. Até finjo e finjo bem, mas por dentro os opostos se batem, se machucam e se vangloriam em seguida, cada parte a seu modo, cada extremo puxando a sua sardinha.

Gostaria de fazer ginástica olímpica. Gostaria de permanecer firme ainda que o espaço seja pequeno, gostaria de ser menos trêmula, menos molenga e menos emocional. Gostaria de manter-me em pé ainda que tudo estivesse desabando, gostaria de ter o controle sobre o meu corpo e a minha mente, ainda que o mundo ao meu redor estivesse em absoluto descontrole e caos.

Para mim, a imagem do controle está ali, naquelas meninas tão novas e tão fortes. De que adianta ser rápido? De que adianta ter músculos firmes, de que adianta dar o saque perfeito se, de repente, por uma bobagem qualquer você se desequilibra? De que adianta falar bem, ser coerente e calma, se quando o chão nos some dos pés nós cambaleamos e caímos, tolos, fracos, entregues à emoção, e, muitas vezes, ao desespero?

As meninas da ginástica são as minhas heroínas. Eu tento ficar paralisada em uma linha imaginária por alguns segundos, mas logo a linha desaparece e caio pro lado.

Eu tento, tenho tentado tanto seguir um caminho escolhido, trilhar pela estrada que está aqui no meu mapa, e por onde a paisagem é bonita, mas, não raro, distraio-me com um vento qualquer e perco o rumo, o prumo, o rebolado.

A Jade Barbosa nunca, nem por uma vez cairia nas armadilhas que caí. Diante do caos, do barulho e das perturbações do mundo exterior, ela centra-se nela e na sua própria força, talvez trema um pouco, mas estica as pernas, desdobra o joelho e ainda sorri, vencedora. E ainda que não ganhem medalhas, essas meninas têm a minha admiração, o meu respeito e – sim, sim - a minha enorme e descontrolada inveja.

Imagens: Olympic Games Commemoration Statue, Ron Chapple Stock; Teenage Gymnast, Cultura/Corbis; Scale Imprint on Heart-Shaped Candies, Carrot Productions

Comentários

Ana, querida,
Vou te contar: um tanto de equilíbrio vem com a maturidade, sem pressa e como tudo: na hora certa. Mas seja como for, a gente não precisa estar sempre equilibrada, né? Um pouco de desgoverno faz bem pra saúde, pros nervos, pra alegria de viver no nosso pódio cotidiano. :)
Beijo, bonita.
Anônimo disse…
Ana, muito interessante essa analogia ao equilíbrio. E mais interessante ainda a homenagem a essas meninas que, apesar de não serem medalhistas, são de ouro. Num país que tão pouco valoriza o esporte, porém, exige tanto dos atletas, seria muito legal se sua crônica, de alguma forma, pudesse chegar até às ginastas.
Oi, Ana!

É bonito ver a graça de quem tenta se equilibrar. Seu texto tem essa graça. Dos seus desequilíbrios, o único em que não vejo graça é você ficar muito tempo sem escrever para o Crônica do Dia. Lembre-se sempre: Olimpíadas é de 4 em 4 anos, mas é bom treinar mais amiúde. E continue "mansa doida varrida". :)

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