VERDADES E MENTIRAS SOBRE O NINHO [Claudia Mello Gonçalves]


A primeira vez em que ouvi a expressão “síndrome do ninho vazio” fiquei me perguntando se aquilo não era mais uma daquelas invenções que normalmente servem mais para criar novos problemas do que para resolver antigos. Sim, porque desde os primórdios as pessoas têm filhos, os filhos crescem e vão embora. Então, qual a novidade?

De uma forma inesperada (mais ou menos inesperada, confesso), fui obrigada a conferir, como uma repórter investigativa, relembrando meus velhos tempos, quais as verdades e as mentiras sobre este papo de ninho vazio. É claro que ainda estou em processo e talvez a história completa chegue a render algumas várias crônicas. Mas, como tudo tem que começar de algum jeito, que seja este!

Desde que meu filho nasceu que venho conversando comigo mesma, explicando várias coisas sobre a vida e o destino de ser mãe, que parece meio dramático muitas vezes. Já argumentei, já ponderei, desde sempre fiz o possível e o impossível para explicar que, como já dizia o Khalil Gibran, nossos filhos não são nossos filhos (e aquele babado todo que todo mundo já leu). Mas fico impressionada como nós não ouvimos todos os preciosos conselhos que damos a nós mesmos. Que criaturas estranhas somos nós!

O processo ficou mais delicado e a sirene começou a tocar quando terminei meu primeiro casamento e o ex-marido foi morar em outra cidade. Nessa época, meu filho tinha 9 anos e era senso comum que uma criança de 9 anos precisa mais de mãe do que de pai. Respirei aliviada...

Mas os anos passam muito rápido! E aquele bebezinho virou um rapaz de 15 anos. Ou seria um bebê de 15 anos? Ou seria meu filhinho querido, coisa fofa da mamãe de 15 anos? Sim, porque mães são seres totalmente irracionais e “sem noção” que acreditam que seus filhos são eternos bebês, com sérios problemas mentais e de coordenação motora, que tanto não conseguem resolver seus problemas sozinhos quanto fazer seu próprio prato de comida. Mãe é um tipo especial de psico-patologia ainda não detectada pela medicina convencional, tenho certeza disso.

Mas, enfim, chegou a hora e ele foi. Sim, meus amigos, ele foi... Morar com o pai. Viajou no dia do meu aniversário. Então, imaginem, que além de ser obrigada a aceitar o fato de completar 41 anos (valha-me!) ainda precisei aceitar o fato de que meu filho não moraria mais comigo. É muita coisa de uma só vez para um ser humano do sexo feminino! Sinto-me uma guerreira! E até que não estou me saindo tão mal, a crise de choro veio só 24 horas depois da partida e durou poucos 5 minutos. Estou me sentindo a tal...

É interessante perceber como o processo se desenvolve. Acredito que com cada pessoa seja diferente, mas o que percebi no meu caso é que não há uma tristeza específica e concreta. Em momento algum eu disse, pensei ou senti algo como: meu filho foi embora... estou com saudade... será que ele está bem? Será que cumpri bem meu papel de mãe? Será que o pai vai alimentá-lo direito ou vai atochar o guri de miojo com atum? Será que ele está bem agasalhado (porque ainda está muito frio)? Será que ele vai sentir a minha falta? Será que ele vai descobrir que é muito melhor morar com o pai do que comigo?

A coisa é muito mais sutil!!! Logo que ele pegou o ônibus, minha preocupação foi com a viagem em si. Quando ele chegou e nos falamos pelo telefone, vi que estava tudo bem e relaxei. A partir daí, fui, aos poucos, sendo tomada por um estranho silêncio interior e uma melancolia impressionantes. Eu não pensava nada, também não sentia nada, não queria nada, não prestava muita atenção em nada. Era um grande nada tomando conta de mim. Tudo parecia meio sem sentido.

Meu marido passou a monitorar minhas emoções. É engraçado, mas foi isso mesmo que aconteceu. Vez por outra ele olhava pra mim e perguntava: “tudo bem?” E eu balançava a cabeça. Pensei na bênção que era estar vivendo um novo casamento, há quase 3 anos. Em 3 anos de convívio, marido e mulher ainda se olham, se falam, trocam carinhos, percebem o que está acontecendo com o outro através do olhar. Escrever tais palavras me entristece um pouco, pois acho que isso deveria acontecer sempre, em 3, 10 ou 50 anos de casamento. Infelizmente, não costuma ser assim, os casais que mantêm esse relacionamento tão amoroso com o decorrer dos anos costumam ser exceção, não regra.

Então, ontem de noite aconteceu, assim, do nada! O marido perguntou se eu ia comer sopa e eu disse que não. Perguntou se queria comer chocolate e eu disse que não. “Eu não quero nadaaaaaaaaaaaa...” Pronto, veio o choro. E daí chorei, chorei, chorei. Acalentada, abraçada e aquecida pelo marido, que só dizia “isso, chora mesmo”. Quando acabou estava uns quilos mais leve. Não sei exatamente o que causou o choro e também não sei o que foi dissolvido e levado embora junto com ele. Só sei que acordei hoje de manhã toda amassadinha por dentro e enquanto caminhava para o trabalho, ao sentir o sol batendo no rosto, percebi que ambos – meu filho e eu – estamos começando uma nova vida, estamos amadurecendo e ao mesmo tempo estamos fresquinhos, recém-nascidos, para ser algo totalmente diferente e novo.

Como costumam dizer por aí, a vida começa aos 40; mas hoje eu percebi que também começa aos 15 ou a qualquer momento em que tivermos a coragem de nos lançar numa nova aventura, deixando para trás antigos hábitos, apegos, sejam eles materiais ou emocionais, e tudo que não faz mais parte do novo “Eu” que gestamos. É muito bom renascer e este mundo é muito belo, depois do primeiro choro, depois de estar tão amassadinha, depois de sentir a luz nos olhos e o calor do sol como se nunca tivesse sentido antes, agora começo a olhar para tudo com olhos curiosos, querendo descobrir quem eu sou e o que quero fazer da vida.

“E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar
E até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás...
Apenas começamos
O mundo começa agora
Apenas começamos”

Legião Urbana – Metal contra as Nuvens

Imagens: Mother and Son Drinking from Cups, Frank and Helena; Mother and Daughter Sleeping Outdoors, Tanner Productions; Happy Mother and Son, Kevin Dodge; Father Taking Picture of Wife and Son, Brooke Fasani; Wall Decoration with Phoenix in the Palazzo Braschi, Araldo de Luca

Comentários

Linda reflexão sobre a maternidade, Claudia. Deve ser muito difícil 'desgarrar' um filho, deixá-lo ir. Acho que mesmo que uma mãe se prepare a vida toda para esse momento, nunca está preparada. Mas sobrevive, né? E continua a ser feliz, reconstruindo a própria vida... :)
Beijo enorme.
Anônimo disse…
Claudia, mesmo sem ter filhos, imagino o quanto está sendo difícil o seu momento. Dar asas é um gesto bonito, porém, extremamente doloroso.
Cacau Gonçalves disse…
Oi, meninas!
Pois é... O desafio é grande, mas estou caminhando. Tudo se resume na troca de recados com meu filho pelo orkut:
- "Mami, tudo bem?"
- "Mami sob controle...relaxa..."
heheheheheh
É exatamente isso, talvez não beeeeemmmm, mas sob controle ;-)
beijão!
Flora Maria disse…
Lindo !!!

...É a vida.
Quando v. casou, eu, que já estava acostumada com sua ausência (via trabalho/estudo/namoro), senti a mesma sensação estranhíssima, ainda sem nome para mim naquele momento.
Não entendi nada...
Depois disso, cada vez que um filho (ou neto...)sai, é a mesma coisa, mas em proporções menores. Acho que a primeira vez é pior.
Até neto ???
Pois é, até neto que nem mora mais na mesma casa !
Deus nos ajude,e que possamos ter sempre um outro pássaro no ninho para dividir (ou aliviar) essa coisa estranha de ninho vazio.
Beijo
Anônimo disse…
Oi, Cláudia... coisa linda... é verdade, eu tenho vivido essa sensação muito de perto, depois que meu filho foi, há dois anos e meio, estudar em Ouro Preto. Hoje mesmo, está aqui, e amanhã volta pra lá... é um meteoro que vem, joga-me sua luz, impõe seus cabelos longos e vai, deixando-me perdida em seu abraço... Beijos, vamos sim trocar essas forças?
Maria Rita, com meu melhor para você.
Paula Pimenta disse…
Oi Claudia! Adorei sua crônica. Você conhece uma música da Paula Toller que se chama 'Barcelona 16'? Procure, acho que você vai gostar. Ela fez uma música pro filho dela (Gabriel) quando ele tinha 8 anos e agora, aos 16, ela fez outra, exatamente sobre isso, essa perda do filho pra vida...(embora o filho dela tenha ido só fazer intercâmbio).

Um abraço!
Paula.

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