POEMAS NEM TÃO TARDIOS >> Carla Dias >>

Há algumas semanas, eu conversava com uma aluna de bateria aqui da escola, a Julia. Falávamos sobre assuntos gerais, principalmente a música. Não sei como nossa conversa foi parar na literatura, mas chegou lá.

Comentei com ela que escrevo contos, crônicas, poemas e romances; que num mundo gracioso e receptivo sou escritora, mas que na realidade apenas tenho urgência em escrever.

Foi então que a Julia me falou do seu avô poeta... Eu tive um avô poeta, o paterno. Na verdade, Sr. Aureliano, carinhosamente tratado como Seu Lili - e Vô Lili para nós, os netos - escrevia belíssimas cartas e as enviava lá de Poços de Caldas, Minas Gerais, para Santo André, São Paulo. Eu e minhas irmãs esperávamos por essas cartas numa ansiedade que só. Na época, meu irmão ainda não estava conosco.

Mas voltando ao avô da Julia... Eu que sempre estou disposta a ler o que me cai na mão, perguntei se não poderia ler alguns poemas dele. E ela me explicou que o avô adora escrever, que mesmo informalmente distribuía sua poesia, principalmente entre os familiares. E disse que sim, traria algo dele para eu ler.

Outro comentário que ela fez eu só alcancei mesmo quando ela chegou na escola com um livro e me entregou. Era presente, livro do avô. O título me levou longe, longe, mas antes de desfiar comentários a respeito, apresento-lhes, nessa crônica, o Vô da Julia: Sr. Claudio Navarra.

Poemas Tardios, o livro, traz na contracapa palavras que sintetizam o que a Julia comentara comigo. Lá está escrito “Com a obra Poemas Tardios, o autor se despede do Mundo da criação poética. Permanecer como degustador também é gratificante”.

Durante a minha vida, até este momento em que digito letrinhas e formo palavras para esta crônica, escrever um livro sempre foi a conclusão de um ciclo e o fôlego para começar o próximo. Não importa a demora, se em dias, meses ou anos este início se apresentará, mas eu sei que ele está adiante... Diante de mim. Há conforto neste pensamento.

Mesmo sem ter lido um só poema do poeta que se despede, senti-me enfaticamente triste. Certos fins me entristecem. Porém, ao me deixar guiar pelas páginas do livro, percebi que essa despedida é diferente daquela que idealizei... Há um quê nesse poeta de gratidão por tudo que a poesia lhe proporcionou. Então, a tristeza deu lugar à admiração.

Poemas Tardios é um livro de interesses e muitos deles cabem bem na poesia de Claudio Navarra. O porquê do livro, o tema de fechamento de um ciclo que não será aberto novamente, porque o autor “já atingiu uma idade avançada”, como reza o prefácio, agora tem outro sentido para mim. Passado o susto do fim que introduz ao começo da leitura, depois de conhecer os poemas tardios, posso dizer que o poeta, o Vô da Julia, que já desenhou para as capas de outras obras dele; assoprou alguns inícios na minha alma. E se não há eternidade neste gesto, opto por viver completamente enganada sobre a vida, e a sabedoria que ela alimenta. Para mim, os inícios flertam com os pontos finais.

----
Clique aqui e leia alguns poemas do livro Poemas Tardios, de Claudio Navarra.


www.carladias.com

Comentários

Carla, normalmente velhos literatos introduzem jovens aspirantes em suas resenhas. Esse seu texto inverte as coisas ao apresentar um velho escritor inédito se aposentando. Só senti falta de que você incluísse algum poema no próprio texto, dialogasse com ele. Seu Lili ia ficar bem na sua companhia poética. :)
Júlia Navarra disse…
Carla,
como já disse lá no instituto, gostei bastante do texto. Palavras bem escolhidas para lidar com esse assunto tão delicado: o final. Assim como você, a minha reação foi a mesma ao ler o prefácio.
Fico feliz que tenha gostado dos poemas, é bom saber que não somos apenas nós (os familiares) que o admiramos. Já enviei o seu site por e-mail e tenho certeza de que o vovô, ligado à leitura do jeito que é, vai se encantar. Quem sabe com um pouco de incentivo ele não desista desse "hobby", não é?
Bom, é isso... caso o poeta resolva continuar escrevendo, te aviso. Boa páscoa e até terça feira que vem ! Beijos
Anônimo disse…
"Os inícios flertam com os pontos finais". Que lindo isso, Carla!!
Esse ciclo de começo e despedida faz a gente pensar sobre tantas outras coisas que completam a poesia.
Talvez o senhor Claudio Navarra escreva ainda mais, talvez não, tudo é hipotético, mas ele foi lá e fez, deixou registrado. Essa é a marca que vai atravessar gerações!
Legal demais você ter feito esta homenagem a ele.
Enxergar as pessoas e saber interpretá-las vai ser a sua marca...*pisc
albir disse…
Carla,
Seu texto é impecável e só resta lê-lo. Ouso comentar o título: poemas não são tardios porque não são efêmeros. Nem eternos. São absolutos. Eles se bastam. Como diz Cecília Meireles: "Eu canto porque o instante existe...".
Obrigado por se lembrar de nos mostrar o Navarra. E tomara que ele leia sua crônica.

Postagens mais visitadas