PERMANEÇA >> Carla Dias >>
Há coisas pelas quais anseia, como mudar de país. Se bem que, mudasse de paisagem, já seria o suficiente para melhorar o enredo da própria história. É que, em frente a casa onde vive, ergue-se um prédio de tantos andares, que até lhe deixa tonta tentar alcançar o último deles com o olhar.
Gosta de sombra, mas acredita que, às vezes, a vida capricha na ironia... e na arquitetura.
Semana passada, decidiu mudar de rumo. Fez a mala, comprou passagens para um país que nem sabe direito onde fica. Escutou playlist com as músicas que lhe despertam a animação, como se não houvesse amanhã capaz de amenizar a excitação da mudança escolhida.
A mala jaz ali, aos pés da cama que mora em seu apartamento há tantos anos quanto ela.
Há dias em que... jazz de solo de trompete melancólico.
Diante da própria covardia, bebeu litros de chá mate. Então, umas taças de vinho do porto, cappuccinos, seguidos por um calmante.
Há dias em que sente saudade e nem sabe de quem. Não sabe se de quem foi ou gostaria de ter sido, de se tornar. Se de alguém que conheceu e com quem se identificou, a ponto de desejar se parecer com essa pessoa.
Há coisas que gostaria de descobrir, aos poucos, mas lhe falta tempo. Não sabe onde gasta as oportunidades, quando precisa delas para a preguiça necessária, durante o exercício da descoberta.
Sabe que pensa descomedidamente no que poucos gostariam de pensar, e que isso nem sempre é bom ou prazeroso. Nem sempre a coloca na sala de estar da benquerença do outro, tampouco da própria. A pessoa com quem mais esbraveja é ela mesma.
Fosse possível, mapearia as dúvidas e desiludiria desapontamentos, sendo feliz até quando a felicidade lhe virasse as costas, só de birra, só de quando nada faz sentido, enquanto ela sente mais do que pensou que um dia sentiria.
De quando se cansa de ser.
Desfaz a mala, fecha as cortinas. Há coisas pelas quais anseia, mas não sabe direito onde encontrá-las. Andam escondidas, camadas e mais camadas de ironias, que a vida insiste em oferecer, em misto de coragem e covardia.
Amanhã, quem sabe. Até amanhã, seria.
Imagem © Salvador Dalí
carladias.com
Comentários
É dai se a gente relê, descobre mesmo as camadas, descobre mesmo uma forma de se ver.
Muito lindo!
E ainda me fez sorrir, porque, imaginação sem noção que tenho, imaginei meus textos sentados no sofá, encarando o terapeuta, enquanto aguardam uma resposta sobre o motivo de existirem. <3
Albir, obrigada, de coração, pelo mergulho e pelas palavras.
Nadia, a poesia é uma presença forte em tudo que escrevo, até mesmo na prosa. É uma companhia pra vida, sabe? Que bom que você descortinou algumas de suas camadas. Obrigada.