O MUNDO SURTOU >> Nádia Coldebella
Peço desculpas aos queridos leitores, mas interrompo a saga épica e fantasiosa que vinha escrevendo - prometo retomar em futuro próximo. Faço isso porque o mundo surtou. E faz parte da natureza do escritor dar um passo para traz ou um passo para diante e olhar o fenômeno de ângulos que talvez ele nem compreenda.
Quando dou um passo para traz, vejo que há dez anos eu era professora de uma universidade e estava grávida da minha segunda filha. Época exata em que grávidas morriam por causa do H1N1.
- É só uma gripe, professora! - e eu acuada num canto, de máscara, tentando ser valente para não entrar em pânico e não causar pânico. Naquela época, as pessoas ainda mantinham a calma, um certo autocontrole. E eu estou aqui, dez anos depois, viva e ansiosa falando disso.
Agora, porém, é diferente. Covid-19. Ele não é só um vírus da gripe. Verdade seja dita, o Covid-19 é um vírus da globalização. E sobre ele, tenho escutado de tudo: de chacotas, à notícias catastróficas e profecias de fim de mundo. Estas são as melhores, especialmente para mim, que gosto de teorias da conspiração:
- O vírus - nem chamam ele pelo nome - é a encarnação do mal!
- Foi criado em laboratório para a China dominar o mundo - tá...
- O corona veio derrubar o sistema! Todos veganos a partir de agora! - nada de hambúrguer então?
- É o fim dos tempos! Veio dizimar a raça humana! - não eu, que vou subir num telhado e esperar o disco voador para ir embora.
Por causa dele, a matemática que já é uma coitada ignorada, agora também é refutada pelos ignorantes que prometem milhares e milhares de mortes. Milhões e milhões. Um bilhão.
Tem outros que acham que o corona é invenção da esquerda para derrubar o governo. Ou uma estratégia da direita para equilibrar a previdência.
Hoje, porém, eu meio que entrei em pânico junto com todo mundo. Acabou o álcool em gel na farmácia. Aí me dei conta que é mais interessante se deixar levar pelo pânico.
O ser humano médio adora uma desgraça, um acidente, uma catástrofe, um sanguinho escorrendo pelo asfalto. Adora um ajuntamento de gente, ambulância e sirene, que é pra dizer para os vizinhos: eu estava lá, eu vi, me disseram, eu sei...
É que no pânico a gente se liga com o outro, desfruta de uma sensação de fazer parte de algo maior. Tudo bem, na pior das hipóteses, talvez alguém morra depois, mas mesmo morto, a gente pode ser tema de uma conversa e de uma saudade.
O problema do pânico é que ele emburrece as pessoas. O pânico embrutece o pensamento. Enegrece a capacidade de decisão. Uma fulana gastou três mil reais em álcool em gel e eu não consegui comprar nenhuma garrafinha. Uma beltrana comprou 60 kg de arroz e como vou fazer o meu rizoto? Isso é bem difícil de entender, principalmente para um virginiano.
Eu penso, porém, que o pânico não é por causa do corona vírus, mas por causa do que ele traz: o isolamento. Não toque, não saia, fique em casa, não visite ninguém. Esse é o protocolo padrão e, com sorte, talvez um italiano cante em sua janela. É que a solidão é um monstro temido porque nos expõe ao maior dos nossos algozes, a gente mesmo. No isolamento, não tem a ligação com o outro; só tem barulho dentro da gente. As vezes ferocidade. As vezes feiura. As vezes rejeição. As vezes nada.
Ainda bem que temos watsapp e youtube. Com certeza, dá pra disfarçar bem.
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