ELA NÃO FOI INTERROMPIDA >> Sandra Modesto
Apenas meu olhar diante dos fatos...
— Verdade?
— Sim.
— Muito bom! Mas meio estranho.
Ela era negra.
— E daí? O Brasil não é racista. Não sei se você sabe.
— Estou sabendo agora. Que legal!
Ela era negra e lésbica.
Chega! O texto já destravou...
O outono chegou. A natureza ganha novas cores. Folhas caem. Mulheres caem também. Histórias são relembradas. Marcam. A morte transita entre o porquê e o sofrer.
A família chora. Choram a mãe o pai , choram a irmã e a filha, chora a esposa.
Porque de lutas e lutos somos feitas. Desabamo-nos às vezes. Depois é luz!
O que fazer para proteger uma cidade? Um povo? Uma sociedade? A moça estudou Sociologia. Teve projetos importantes e conseguiu ser a quinta vereadora mais votada em 2016.
No dia 14 de março de 2018 foi assassinada. Assim, do nada, vários tiros. Do nada é apenas eufemismo. A moça que sabia demais, que lutou demais, foi embora.
Mas ressoa em mim, a liberdade de uma voz.
Dois anos sem ela. Estou enclausurada dentro de casa, de quarentena e com muito tempo para ler, assistir TV, ouvir música, escrever. Entristecer, cantar, dançar. Sigamos...
Um livro lindo:
“Um girassol nos seus cabelos”- Poemas. Organização: Mulherio das Letras.
Estou assistindo – Marielle o documentário. São seis episódios bem estruturados. Tem na Globo Play.
Por enquanto nesse começo de outono...
Cito um pouco do livro que indiquei:
“Altiva, avisava que não aceitava ser interrompida. E não foi. Virou símbolo da luta pela democracia e do enfrentamento ao genocídio da mulher negra.”
Áurea Carolina
“A vida de Marielle é inspiração para as que buscam uma sociedade mais igualitária e diversa”
Marília Kubota
Enfrento o final de um texto. Talvez eu escreva uma cena trágica. Talvez.
Mas o outono me enternece. Época de girassol namorar o sol. O vento espalhar folhas.
A moça ausente se faz presente. Para sempre.
Recordei o trecho de um poema de Alberto Caeiro
“O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para direita e a esquerda.
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem" (Livro: O Guardador de rebanhos).
Peguei o vinil de Alceu Valença e estou ouvindo: “Girassol”
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