TODA MANHÃ É RUMOR >> Whisner Fraga

Uma pedra rompe a pele do rio, que rasteja no leito.

A pedra é uma tartaruga semienterrada no fluxo.

A menina me mostra o vendedor de algodão-doce e ele já aproveita e se aproxima, um pacote estendido.

Os cabos de aço, as braçadeiras, os parafusos, as porcas, a parafernália de mecanismos murchará em quatro ou cinco gerações.

As heras abraçam o que podem de aço.

A botânica se aglomera para a orgia.

A menina está alta em meus ombros e se agita por um vento.

Caminho pela ponte e fotografo uma viga enferrujada: há uma beleza inadiável na extinção.

Uma mulher estende um lenço na grama e acomoda alguns brincos, colares.

Em frente, dois moradores de rua partilham uma bituca enquanto riem da manhã.

A menina acompanha a correnteza, a apreensão escolta um galho que se submete ao atrevimento da água.

Ela aperta minha mão.

Um socó assombra do alto de um salgueiro.

A menina inclina a cabeça e o semblante traduz uma vontade de ir. Ela me entrega o palito e alguns restos de açúcar encaroçam a madeira.

Eu também quero sair dali.

Comentários

Zoraya Cesar disse…
Que belo, Whisner, tudo! Senti uma melancolia profunda e boa. E amei o "há uma beleza inadiável na extinção.". Muito, muito bom!
Albir disse…
A menina encanta a paisagem desolada.
whisner disse…
Zoraya, Albir, obrigado pela leitura. Tenho lido todas as crônicas, mas não comento sempre.

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