SORTE NO JOGO, NEM TANTO NO AMOR - 1a parte. Uma aventura do detetive sem nome >> Zoraya Cesar
Estou nesse jogo há muitos anos. Isso, por si só, é um bom motivo para comemorar - no meu ramo, poucos sobrevivem além dos 40. Nem sempre ganhei todas as rodadas, mas, correndo o risco de me repetir, estar vivo já é uma vitória em si.
Se você me perguntar por que não me aposentei – afinal, ganhei muito dinheiro e sempre soube investir – tenho a resposta na ponta da língua: pela aventura. Pelas mulheres. Pela adrenalina. Pelo desafio à inteligência e à morte. (Acho que só quem tem consciência de nossa finitude valoriza a vida).
No meu trabalho, o termo ‘jogo’ deve ser tomado em acepção mais ampla que a dos carteados e roletas. Mas, de certa forma, também contamos com a sorte, também nos defrontamos com o azar. E, aproveitando o tema (hoje estou mais loquaz que o normal), curioso constatar que nunca, até agora, tive sucesso em provar a falsidade do ditado sorte no jogo, infeliz no amor.
Vejam esse último caso, que quase me levou para o sono eterno. Tudo, claro, como sempre, por causa de uma mulher.
E que mulher!
Sabrina parecia uma daquelas antigas atrizes de film noir hollywodiano, numa época em que à mulher era necessário ter talento e glamor, uma aura de mistério, um suspense de perigo. À primeira vista parecia Gilda, a personagem de Rita Hayworth, em sua sensualidade, em seu discreto charme de mulher frágil – na superfície; mas fria e calculista no íntimo.
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Sabrina andava com segurança naquele ambiente, como se tivesse nascido ali. |
Assim como Gilda, Sabrina podia enganar e colocar sob seus encantos qualquer pessoa. Só andava nas altas esferas, no high society, como escort girl de respeito que era.
E como uma mulher espetacular dessas veio parar na minha cama?
Conhecemo-nos num bar, um desses speak easy moderninhos, que abrem após as 23 horas e fecham com o último cliente. Não é um lugar para amadores. Estava eu, quieto, tomando meu uísque, minha dose semanal de Macallan 12 anos, puro. Relaxava, observando os demais clientes, pensando no caso que aceitara recentemente: o presidente de uma empresa de engenharia automobilística suspeitava de vazamento entre seus funcionários - uma das peças que ele estava projetando apareceu como protótipo na companhia rival.
Vocês podem pensar que espionagem industrial é coisa de ficção, ou de gente fina e elegante, onde tudo é resolvido por um acordo entre cavalheiros. Na verdade, é um embate entre ratos de esgoto - gente miúda que você encontra na rua, bebendo cerveja no bar da esquina, brigando por qualquer coisa, aceitando uns trocados pra te espancar, emboscar ou te dar um tiro pelas costas. Nerds e hackers são uma pequena parte da engrenagem, e, muitas das vezes, não têm ideia do risco que correm.
Envolve sexo, vinganças mesquinhas, luxúria, ganância. Ao contrário do que acontece nos filmes e nos livros, na vida real pessoas se machucam. Pessoas morrem.
Parte do meu trabalho consiste, justamente, em encontrar o informante original, de quem provêm todas as instruções para que o jogo comece. É ele quem diz onde encontrar a pessoa certa e como fazer para a chantagear, subornar, enganar. Vou aonde a polícia não pode ir. Encubro o que os jornalistas não podem saber (o escândalo seria ainda mais prejudicial aos envolvidos que o roubo – ou a revelação - dos segredos em si).
Mas, dizia, estava eu, quieto, absorto em apreciar meu Macallan (sou um homem frugal, mas me dou direito a alguns luxos: boa bebida, boas armas, bons ternos...) quando um perfume de gardênia me envolveu. Notei que o bartender parou de bater um martini por um ínfimo instante e que o homem sentado à minha frente esbugalhou os olhos. Virei-me para trás. E deparei-me com ‘ela’.
Um metro e setenta de sensualidade curvilínea (nada dessas magrelas esqueléticas que mais parecem meninos com peitos de hoje em dia). Usava um vestido verde muito escuro, de tecido aveludado, que deixava à mostra uma generosa curva entre os seios – tão brancos, que, mesmo à luz baça do lugar, pareciam brilhar. Senti um arrepio. Um homem sem juízo poderia se perder ali. Cabelos castanho-claros emolduravam seu rosto perfeito, praticamente sem maquiagem. Seu único adereço, uma fina tornozeleira de esmeraldas. Era como se dissesse: “já sou bonita o suficiente, não preciso de enfeites, e sei me virar no mundo dos homens”.
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Negroni - o drink para quem é objetivo e sabe o que quer. |
Ela sorriu para mim, sentou a meu lado e pediu um Negroni (um drink diz muito sobre quem o pede. Gin é para os bem resolvidos, objetivos). Nunca dou em cima de mulher alguma. Acho indigno. Apenas abro espaço para ela entrar. Não chamo, não puxo, não insisto. Talvez, por isso, elas se sintam seguras comigo. (Eu é que, com o tipo de mulher que frequenta meu mundo, nunca estou seguro.)
Continua no dia 12 de julho
Outras aventuras do Detetive sem nome
Gilda filme americano de 1946, do gênero drama noir dirigido por Charles Vidor, estrelando Rita Hayworth e Glenn Ford nos papeis principais.. Gilda era uma mulher sensual e misteriosa cujo segredo, uma vez revelado, poderia destruir sua vida. É desse filme a famosa cena em que ela tira as luvas enquanto canta Put the blame on Mame.
Fotos
mulher no bar - ed13d5671f73dc5230e9b2657717d24d Fabian Perez - https://br.pinterest.com/pin/315814992619956950/negroni - https://br.pinterest.com/pin/568368415470022189/
Comentários
Quanto mistério, não é mesmo?
Escritora malvada!
Aninha Luzia - vc, sempre, generosa!
Unknown - vc não era malvada assim. acho q estou te contagiando
Albir - acertou em cheio!
A todos, obrigada!