INVASÃO DE PRIVACIDADE >> Albir José Inácio da Silva
- Fui roubado! Violaram o meu
armário! Saquearam a minha intimidade!
Os gritos no banheiro sacudiram a
sonolência do escritório depois do almoço. Era tanto o desespero do Moura que
não faltou solidariedade nem mesmo dos que não gostavam dele. E eram muitos.
Todos acorreram ao banheiro masculino, território geralmente proibido às
mulheres.
Lá encontraram um Moura
destroçado. Não havia lágrimas, havia desespero. Segurava um cadeado
arrebentado como se olhasse a própria alma na mão.
- Isso aqui tá cada dia pior –
lamentou-se alguém. - E o que levaram?
- Levaram tudo! Levaram a minha
vida! – sacudia a cabeça.
- Mas tinha dinheiro, joias, o
quê? – insistiu outro.
- Coisas pessoais: fotos, cartas,
recordações! – lamentou-se num quase miado o Moura, que já tinha mesmo uma voz
meio mole e gemida, como se os maxilares estivessem soltos.
- E você guarda essas coisas
aqui? Não deviam estar em casa?
- Eu guardo onde eu quiser! –
gritou o Moura e teve nova crise de choro.
Seu Genésio, o patrão, depois de
ligar pra portaria, avisou:
- Eu vou chamar a polícia! Queria
evitar escândalo, mas todo dia some alguma coisa: dinheiro, cheque, celular,
peças de computador.
Todos concordaram. Menos o Moura.
- Não! Não chama a polícia, não!
Já me bastam as perdas. Não quero exposição e interrogatório. E depois, minha
pasta não tem valor de mercado mesmo. São só coisas minhas. Só valem pra mim.
O ambiente não parava de
piorar. Nem lembrava mais o escritório
harmonioso de alguns meses atrás, quase uma família, amizade, companheirismo e
solidariedade. Agora o clima era de fofoca e desconfiança, bolsas e celulares
seguros nas mãos até na hora do cafezinho.
A portaria ligou de volta:
- Seu Genésio, eu abordei aqui um
cara esquisito que tava com uma maleta que nem a que o senhor falou. O cara
soltou a maleta e disparou pra rua.
O patrão colocou no viva-voz:
- Deve ser a que o senhor disse
que roubaram. Eu tô tentando abrir aqui, mas o fecho parece que tá emperrado. Tem
segredo?
- Não! Não abre! Não basta o que
já me fizeram? – gritou Moura antes de correr para os elevadores.
Ninguém ficou na sala. Nos
corredores, elevadores e escadas, enquanto tentavam chegar à portaria, todos se
perguntavam.
- Será que tem revistinha de
sacanagem? – arriscou um analfabeto digital.
- Não existe mais isso, ô dinossauro! Você tá em que século?
Fotos íntimas, armas, produtos
eróticos, drogas - tudo foi sugerido e descartado. Não o Moura, tão rígido,
honesto e conservador!
Chegaram ao hall de entrada e já o
Moura voltava abraçado à sua maleta.
O que ele não sabia é que o
meliante depois do furto desceu as escadas tentando saber o que tinha roubado.
Fecho enguiçado, como já descobrira o porteiro, o ladrão abriu com gilete a
lateral da pasta. Nesse momento ouviu lá
em cima os gritos do Moura e desceu de três em três os degraus que faltavam,
até ser parado pelo porteiro.
Quando o Moura fez um movimento
mais brusco para se livrar da turba e entrar no elevador, o conteúdo da pasta
se esparramou pelo chão. Cédulas, cheques, celulares, joias e outros objetos
que foram reconhecidos pelos proprietários.
Sentado no chão, o Moura filosofou:
- Invasão de privacidade é um
crime que destrói o cidadão de bem!
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