POEIRA ESTELAR>>Analu Faria
"Somos feitos de poeira estelar" é provavelmente a frase feita mais horrorosa desde a invenção das frases feitas. Não só porque, em termos patéticos poéticos, é uma tragédia, mas também porque é uma tentativa patética (agora sim!) de desviar o foco, para o infinito e para o solitário, da matéria que realmente nos une e nos define como gente: as histórias. Mais do que um aglomerado de grãos de estrela, nós somos as nossas sagas.
Prova de que histórias são nossa matéria fundamental é que as identificações mais profundas entre nós não se dão por nossas condições estáticas, (sou servidora pública, mineira, estudante, branca etc.), nem pelas nossas ideias em comum (sou a favor da liberação da maconha e contra a posse de armas, torço para o Palmeiras, blá blá blá), sequer pelos nossos gostos, mas pelas histórias que vivemos, que ouvimos, que contamos. Eu tenho pouquíssimo em comum com tantos outros servidores públicos! Mas reúnam-se um bando de desconhecidos ao redor de uma fogueira e alguns "causos" de espíritos, visões e afins me mostrarão, pela reação dos ouvintes, que a senhorinha conservadora e o adolescente hipster têm muito a ver comigo, e um com o outro.
Parece é que gente se esforça para esconder que tudo na nossa vida é história (falsa ou verdadeira) e vem com essa de "poeira estelar" e o escambau porque a realidade é que história é um negócio humano demais. Melhor ser feito de coisa do espaço, que lá é tudo mais...grandioso. Estrela brilha, né?... Sim, tem brilho, e é terrivelmente distante. Aliás, quando você olha para uma estrela, as chances de ela já estar morta são grandes, considerando que a luz emanada por ela num momento xis nos chega aos olhos muito, muito depois de xis. Veja só: quando alguém olhou para uma estrela e, pela semelhança dos elementos químicos que formam as estrelas e os humanos, teve a infeliz ideia de inventar que somos "poeira estelar" a história da tal estrela provavelmente já tinha acabado.
A sua e a minha história, porém, estão aqui. São contadas, recontadas, requentadas. É como as histórias se comportam. São vividas do melhor jeito ou do jeito que dá. Muitas não brilham como alguns corpos celestes, (aviso: nunca afirme isso na presença de um coach). Algumas delas são tristíssimas. Um punhado dão uma vergonha danada. Mas sem elas somos um retrato na parede, numa casa que ninguém habita.
Comentários
Muito bom, Analu!