O NÓ >> Carla Dias >>

Deram-nos um nó. Não daqueles que desatamos facilmente. Também não foi um nó dado por um motivo exclusivo, o que facilitaria o desatamento. Trata-se de um nó baseado em uma série de acontecimentos ligados não somente a mim ou a você, mas à maioria de nós. Caso você não tenha detectado esse nó, provavelmente é por ter encontrado uma forma de seguir seu caminho, distraidamente, como um personagem de uma história de autoria desconhecida.

Não tem sido um ano fácil para a maioria. Indivíduos, lutamos para lidar com as escolhas de alguns que só fazem subtrair o básico para sobrevivermos. Humanos, assistimos à crueldade tão de perto, que nossos espíritos se alardeiam fácil, mantendo-nos em ponto de questionamento: para quê?

Por quê?

Por quem?

Questionar é o princípio da revelação. Mas de que nos adianta questionamento quando não estamos preparados para as revelações? Para o reconhecimento da nossa responsabilidade diante da vida, do outro, de nós mesmos?

O nó foi dado de um jeito, que não apenas nos sentimos incapazes de desatá-lo, como passamos a considerá-lo parte da nossa rotina, da essência da nossa existência. Um nó que é um estranhamento contundente a respeito da vida que levamos. Não há teoria ou “ismo” que aponte a saída. É o nó coletivo, dado por nós a cada decisão que tomamos e que, automaticamente, afeta ao outro.

Tem sido um ano complicado, do qual não descartamos a possibilidade de ele se tornar cenário de mais algumas tragédias, pessoais ou coletivas, até o seu fim. Então, vem esse olhar poético sobre o fim. O início de um calendário que nos proporciona a esperança forjada pela necessidade de mudança. Este ano tem sido difícil, e ainda há tempo de sê-lo mais algumas vezes. Mas o próximo, que ele venha com as bênçãos da boa sorte.

Eu acredito em boa sorte, mas não coloco nas mãos dela a autoria do que pode desatar esse nó. Acredito na boa sorte como um sopro de inspiração para que possamos analisar profundamente o impacto de quem somos nesse mundo.

Acredito que esse nó será desatado quando pararmos de postergar decisões urgentes e destinarmos nossa esperança de novos e bons tempos à virada do calendário. O hoje tem importância crucial. O que neste hoje faz esse nó parecer mais apertado que nunca? O que pode ajudar a desatá-lo? E daí que vai dar trabalho? E daí que vai levar mais tempo do que até sexta-feira, comprometendo o fim de semana? E daí que machuca se dar conta de que não será como planejado, mas tão diferente que será trabalhoso se detectar o que há de positivo?

Claro que espero um próximo ano mais leve, e que direi às pessoas que meu desejo se estende a elas. Há muito tempo esse desejo deixou o âmbito familiar e se espalhou pelo mundo. O mundo melhor que eu busco não se restringe ao meu mundo particular.  A esse desejo se soma o de não precisarmos do poder da mudança de calendário para alcançarmos uma vida mais justa e pacífica.

Então, que a felicidade se espalhe pelo nosso ano, fortalecendo nossa capacidade de lidar com reveses, em vez de incluí-los em lista de resoluções do ano que vem.

Agora pode desatar nós.

Comentários

Albir disse…
Tem razão, Carla. É um tempo ruim, e tempos ruins precisam ser tempos de solidariedade. Que, além de eficaz, é o que nos resta.
Zoraya disse…
Desejo lindo num texto, como sempre, maravilhoso. Que possamos, todos, desatar os nós que imobilizam nossa vida de nossa capacidade de sermos felizes. Beijos desatados.
Carla Dias disse…
Não é, Albir? Além do mais, mesmo quando a importância de um gesto de solidariedade passa despercebido pelo beneficiado por ele, jogar ao mundo benquerença e respeito pelo outro vale como um desejo vital de bons ventos a quem deles precisar. Beijo.

É Zoraya... Os nós e os nós. Que nos especializemos na arte de desatar nós, para que possamos continuar muito bem acompanhados. Beijo.

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