O CLUBE DOS PROSCRITOS – 2ª e última parte
>> Zoraya Cesar


O Clube dos Proscritos - 1ª parte - Ele tinha uma missão: conseguir a informação, fazer o pagamento e partir. Mas achou que poderia lucrar mais jogando por conta própria.

Ele entrou, regozijante. Os doormen que o revistaram, por experientes que fossem, não descobriram a faca de mola escondida na manga de seu suéter. 

No salão, dez mesas, um grande balcão e uma jukebox, de onde saía a voz de Helen Humes e a guitarra de T. Bone Walker. Nas paredes, pôsteres de grandes jazzistas misturavam-se aos de vários personagens famosos do mundo do crime: piratas como Anne Bonny e William Kidd; os espiões Kim Philby e Mata Hari; bandidos como Butch Cassidy e também os investigadores William J. Burns e os irmãos Pinkerton. Uma enorme bandeira pirata Jolly Roger estava hasteada num canto. Havia também trevos, figuras de Leprechauns e fadas. Se o dono do clube não fosse irlandês, ninguém mais o seria. 
Helen Humes, Memphis Slim e T. Bone Walker: Blues ain't nothing but a woman

(E ele era, efetivamente, irlandês. Fora preso pela Scotland Yard por tráfico de obras raras. Estava casado há mais de 20 anos com o policial que o prendera. Quando o parceiro se aposentou, abriram clubes exclusivos para o submundo de bandidos, mocinhos e simpatizantes. Apenas os melhores eram admitidos — excluídos os serial killers, pedófilos e outros psicopatas. Os sócios faziam parte de uma confraria de elite. Os não sócios poderiam entrar e desfrutar de boas música, comida e bebida, fazer contatos, dizer adeus e ir embora.) 

O recém-chegado pediu a cachaça sul-africana mais forte disponível. O garçom, um jovem lânguido, trouxe uma garrafa de kimbombo. Recostado ao balcão, ele passava a vista nos outros fregueses. Seu olhar, naturalmente, não se demorava em nenhum deles, sob pena de alguém se sentir ofendido. Muito suscetíveis eram os sócios do clube, isso eram. 

Havia de tudo. Mulheres jovens, com ar angelical e jeito de doces-de-coco, outras que pareciam ter saído de HQs alternativas, com seus coturnos pretos e maquiagem pesada; rapazes de aparência militar e hell’s angels cinqüentões; punks, executivos e outros, que ele não percebeu, pois, finalmente, encontrou quem procurava, sentada num canto escuro do salão. 

Ela. 

Era magra, mas não muito. Usava um elegante vestido preto (na verdade, um legítimo Dior), que combinava à perfeição com sapatos marfim, de salto baixo e quadrado. Os cabelos eram curtos, totalmente brancos, a não ser por uma larga mecha negra, que caía, elegante, sobre sua face. A suavidade da tez contrastava estranhamente com as várias rugas que o tempo marcara em seu rosto. Um observador mais atento notaria que algumas daquelas marcas não eram rugas, mas cicatrizes, finas e indeléveis. Suas mãos eram delgadas e algo nodosas, com poucas manchas senis; as unhas, curtas e pintadas de púrpura profundo. A seu lado, uma imponente bengala de madeira maciça — talvez ébano ou pau-ferro — dentro da qual havia uma fina e afiada lâmina de aço, forjada pelo melhor fabricante de Toledo.

No todo, uma figura impressionante. 

Mas estava velha, pensou ele. E velhas tendem a ser descuidadas. Haveria de conseguir a informação desejada e, por sua própria conta e risco, ficaria com o dinheiro do pagamento e mataria a mulher que todos consideravam inatingível. Bobagem, pensou. Todos morremos. Hoje seria a vez dela, como, algum dia, seria a dele. Mas, até lá, sorriu internamente, até lá usufruirei de fama e fortuna, por ter enganado e matado uma lenda urbana. 

Sentou-se em frente à mulher. De perto, observou com um certo desprezo, era franzina e miúda demais. Deve ser mais velha que meu bisavô, pensou ele.  Não era uma lenda, mas apenas um mito, uma mentira criada para acender a imaginação dos espiões mais jovens. Perdeu todo o resquício de medo que o acompanhara antes de entrar no clube.

— Meu empregador, Sr. **, precisa saber onde está enterrado o homem que assassinou o Secretário da Casa Civil do governo de *** (ele citou o nome de um país africano). 

Ela espantou-se com a rudeza da abordagem. O Sr.** era conhecido pelo respeito com que tratava os antigos companheiros e pela generosidade do pagamento. Aquele jovem estava jogando com cartas perigosas, ao não se comportar como, certamente, lhe fora ordenado. Atrás dos óculos de aros dourados, suas íris azuis e ácidas olharam para o rapaz.

— O corpo está enterrado no jardim da casa de verão do próprio Sr.** — disse, a voz baixa. 

Foi tão fácil, exultou ele, tanto barulho pela tal mulher e não passava de uma coitada. Far-lhe-ia um favor em mandá-la para outro mundo. Sorriu, inclinou-se sobre a mesa, a faca já engatilhada, debaixo da manga da blusa. Na semi-escuridão em que estavam, e com o talento mortal que lhe era característico — os músculos ainda um pouco enrijecidos não o atrapalhariam —, cortaria o pescoço dela tão rapidamente, que só descobririam quando ele já estivesse longe. E quem se importaria com uma velha decadente?

O primeiro golpe foi seco e violento. O segundo foi definitivo e mortal. 

Ele morreu sem entender o que acontecera.

A bengala atingira sua cabeça, deixando-o sem ação, e, em seguida, a comprida lâmina de Toledo terminou o serviço. 

Nascida e treinada nas montanhas gregas, sobrevivente a inúmeras missões e atentados, ela não cairia naquela armadilha vulgar. Tolo, pensou, pagou um alto preço por sua ganância e soberba. Agora ela ficaria com o dinheiro. E ele, sem a vida. 

Chamou o garçom, pediu-lhe que levasse o corpo embora e lhe trouxesse mais uma dose de ouzo. Com limão, por favor.
Depois de retirado o corpo do morto,
ela pediu mais uma dose de ouzo

Os outros fregueses olharam a cena e, como que combinados, levantaram-se ao mesmo tempo e se inclinaram respeitosamente para a mulher que, embora aposentada, há anos encantava o mundo de espiões e assassinos, policiais e proscritos com sua elegância e eficiência mortal.

Ela, Marta Atanasiou. A lenda. 


Outras aventuras de Marta Atanasiou


A hora do chá

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Comentários

Marta sempre rápida e astuta e Zoraya evoluindo no entretenimento... crônica ao som de bules? É td de bom!!!! Só faltou a cachaça sul africana!
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse…
Interessante! Mas achei a história meio complicada.
E para variar, "mais um defunto", hehehe...
Então o tal "matador" era gay e cheio de soberba! Como diz o Olavo de Carvalho, "os gays acham que são os "caras" e vão dominar o mundo, mas quem vai dominar são os muçulmanos, e vão matar todos os gays"! Será que a "senhora da estória" é muçulmana, ainda mais que ela gosta de cortar cabeças, hehehe...
Erica disse…
Eu sabia,eu sabia, eu sabia... você não ia matar a velha Anastácia assim tao fácil, quem iria fazer os bolinhos?... Ah,.... é... ops, não é a tia Anastácia... só uma pequena confusão... mas a velhinha Anastasiou, digo Atanasiou, não é mole não... Até eu fiquei com vontade de beber o tal Ouzo... até descobrir que é feito de anis... ergh... velhinha esquisita essa...rs
aretuza disse…
A arrogância masculina sempre confunde a aparência de fragilidade de uma mulher com idiotice. Bem feito, palmas!!!!
Marcio disse…
Zoraya, estou precisando de indicação de geriatra.
Você sabe quem é o médico da Marta Atanasiou?
Em caso afirmativo, ele aceita Unimed?
André Ferrer disse…
Suspense e bebidinhas exóticas.
sergio geia disse…
Concordo com o André, e suas descrições são ótimas. Li as duas hoje; adorei. Gde abraço!
Clarisse Pacheco disse…
Vida longa à Marta!!!

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