SÁBADO EM SÃO PAULO >> Sergio Geia
Ela buscava Jonatas, mas também Glinda
e Elphaba; ele não queria saber de Glinda nem de Elphaba, muito menos de Jonatas,
mas nós queríamos saber dele. Foi com esse arranjo de ideias que partimos.
Antes de pegar a alça de acesso à Ponte das Bandeiras, o automóvel foi
apanhado por uma chuva dilacerante; até então eram apenas uma ameaça o céu
escuro, o vento, as previsões. No entanto, tão logo a máquina avançou marginal
adentro, uma montanha de água nos sacudiu, invadindo ruas, criando piscinões,
aprisionando-nos num asfalto encharcado e triste. Os sinais pararam de
trabalhar, a Avenida Tiradentes virou terra de ninguém.
Ao receber os cartões, já no hotel, descobri
que o senhor recepcionista também estivera metido no aguaceiro. Foi o que disse
quando mencionei acerca da batalha hercúlea pra conseguir vencer a chuva. Falou-me
que em alguns pontos da cidade não chovia, mas que em outros o temporal castigava
e impedia o movimento natural.
À noite, comemos um bom lanche na
Cesário Motta, ainda debaixo de muita garoa e não menos apetite. Depois pegamos
um táxi e seguimos até o 411 da Brigadeiro.
O tempo... O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo
que passou, diria Vergílio. Ele e ela... Vendo-os agora, lembrei-me desse
tempo, dos desarranjos, de mamadeiras, fubás e dos folguedos infantis; o tempo
que nos fez compreender que o viver a partir de então ganhara outra dimensão, noviço
sentimento nascia e a cada estação só faria ganhar mais espaço em nosso confuso
e emaranhado mosaico de emoções.
Tempo que transforma o mundo, a vida,
as pessoas. E que todos os dias se encarrega de lançar humildes servos das
letras às felizes lembranças de outrora, às auroras primaveris; que faz jubilar
o presente, que glorifica andanças, que preconiza efêmeras luzes de satisfação,
e conquistas miúdas de pequenas criaturas que sonham embriagar-se na parcela de
belo que o mundo tem a oferecer.
Em Pequenos
Poemas em Prosa, Baudelaire diz que “é necessário estar sempre embriagado. Tudo
está aí: é a única questão. Para não se sentir o horrível fardo do Tempo que
quebranta os vossos ombros e vos curva em direção à terra, deveis vos embriagar
sem trégua. Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiserdes. Mas
embriagai-vos”. Pois embriagar-se é o que há; à bebida, caros amigos, à bebida
e ao encontro mágico com seu pedaço de felicidade.
Digo-lhes que felicidade foi o que a mim
chegou assistindo sua face repleta de brilho; ela a encontrou na Brigadeiro, não
em Jonatas, mas em Fiyero; eu mesmo saí de lá embriagado de enorme beleza;
apaixonara-me não por Glinda ou Elphaba, mas por Fabi e Myra. No fim, o belo nos
encharcou de alegria e não a chuva; saímos de lá embriagados.
Domingo, almoçamos bem num restaurante
na Avanhandava; lembro-me do garçom, após a refeição, a nos instigar ao encontro com a mousse
dos deuses: “degustem, não vão se arrepender” e depois...
Dou-lhe um abraço de despedida. Ele
segue sua marcha na direção da Caio Prado. Paro um instante para colocar uma
blusa e vejo-o atravessando a Augusta. O coração dói. Há dezenove anos um guri.
Hoje, homem e homem que solto, desbrava a metrópole, sem medo, sedento de belo.
Ela segue comigo; ainda. Feliz com seu
cordãozinho comprado de um boliviano na Paulista.
Ilustração: Cliquetando
“O tempo que passa depressa...” Vergílio
Ferreira
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