UM OUTONO CATARINENSE >> André Ferrer
Três ou quatro horas
antes, em plena madrugada, havia tirado o último peixe da grelha. Entrou, puxou
um dos bancos e sentou diante da churrasqueira onde, aqui e ali, a brasa
permanecia viva. Por este motivo, a temperatura estava tão agradável na
cozinha.
Era sábado e os amigos
voltariam, em torno das nove, conforme o combinado.
A ideia partira de
Chris, o filho do senhorio. Edu, que morava no térreo, arvorou-se de pronto,
desceu as escadas e trouxe os seus apetrechos. Luís Bernardo concordara, mas
agora, com o corpo bem aquecido, julgava ter sido uma estupidez. Após vinte
dias, a primeira semana livre de avaliações na faculdade estava para começar.
Haveria um bom intervalo antes das últimas provas semestrais, no final de
junho, e ele já tinha planos para aqueles dias frios.
Luís Bernardo se
levantou e espalmou as mãos na tepidez agradável do braseiro. Em seguida, abriu
a janela e admitiu que o frio sentido, há pouco, entre o quarto e a cozinha — e
também na rápida escala no banheiro —, nem chegava perto da geleira externa.
Assim, diante da boca e das narinas, ele viu crescer a nuvem de vapor, o seu
hálito. Uma névoa que também se estendia lá fora. Esbranquiçava o mundo
próximo. O distante. A perspectiva. A
calçada do outro lado da rua. O topo dos prédios vizinhos.
De repente, escutou a varrição
de todas as manhãs. O senhorio, naturalmente, já estava de pé. O corredor, lá
embaixo, ou talvez o vestíbulo que dava acesso à escada, recebia as vassouradas
do homem e, a intervalos curtos, ouvia-se fragmentos de uma conversa. Um minuto
depois, Luís Bernardo reconheceu a voz de Chris. O garoto, logo cedo, levava
uma descompostura.
No quarto, Luís
Bernardo teve pressa de encontrar uma blusa pesada, mas ficou estático diante
da escrivaninha. Vestiu a blusa que, afinal, estava no espaldar da cadeira e se
apressou. Queria se livrar do trato. Uma pescaria na Penha, francamente, num
dia como aquele! A temperatura e o vento nos costões deviam estar de matar.
Ademais, havia o conto inacabado, a crônica mensal para o Líder de Terracota, o
planejamento do romance, enfim, a tão esperada trégua dos compromissos
estudantis.
Luís Bernardo desceu os
quatro lances de escada e deu de cara com Edu e Chris. O velho, que ora varria
ora falava, resmungou, olhou direto para o inquilino e apoiou os braços no cabo
da vassoura.
"Bom dia, moço", fez ele. "Nada de Penha. O Chris e essa peste jogaram o anzol
ali em cima."
Do outro lado da rua,
havia um sobrado e o ponto indicado pelo homem já era suficiente para que Luís
Bernardo compreendesse algo a respeito da façanha dos dois amigos em plena
madrugada. No sobrado, residia uma vizinha implicante, que Chris e Edu chamavam
de bruxa. "Lá em cima" era a área de serviço dela. Os dois rapazes,
de acordo com o velho, tinham "fisgado" uma roupa íntima da mulher
com o molinete de Edu. Assim, Luís Bernardo segurou o riso.
"Tudo bem",
disse ele. "A gente não vai."
"É justo. Muito
justo", disse o velho. "Ontem, vocês compraram peixe e cerveja.
Beberam e comeram até altas horas. Eu entendo. Só que vocês precisam respeitar
os vizinhos. Por favor! Hoje, nada de pescaria. Nada de Penha!"
"Tudo bem,
rapazes. Outro dia. Fiquei de comprar o pão para os sanduíches. Lembram? Pois
é! Estava justamente indo à padaria. Tudo bem. Até mais."
Luís Bernardo subiu as
escadas, fez café e aninhou-se diante da escrivaninha.
O conto era sobre o ano
anterior. Estagnara no trecho em que a moça, namorada de um ex-morador do
apartamento, também estudante, compartilhava uma cuia de chimarrão com o
próprio Luís Bernardo. Felizmente, ninguém mais morava naquela casa além dele.
A crônica, por sua vez, era a respeito de um episódio da sua infância e, a
exemplo do conto, ele trocara os nomes das pessoas. Mesmo assim, os leitores do
pequeno jornal da sua terra saberiam de quem se tratava.
Com o romance,
acontecia o mesmo: a incapacidade de simplesmente inventar dominava o
incipiente esboço. Entre um verão e outro, Luís Bernardo admitia que precisava
experimentar o mundo e, assim, aumentar as páginas do seu livro. No outono,
contudo, época de recolhimento e reflexão, podia se dar ao luxo de dispensar
uma pescaria.
Luís Bernardo releu a
crônica e, finalmente, chamou-a de "Aula de descrição". Puxou a
Lettera 32, enrolou uma folha de sulfite no carro da máquina e começou a
escrever. De tempos em tempos, bebia um gole de café. O texto seria remetido já
na segunda. Estaria na redação do jornal antes do dia 15 de junho. Sairia, como
de costume, na página 2 do Líder de Terracota.
Comentários