POKER NA ESCOLA >> André Ferrer

A polarização da sociedade em relação à política tem levado grupos e indivíduos ao embate. Algumas vozes, emitidas de setores diversos, já clamam pela moderação entre governistas e opositores. O perigo de confrontos é uma realidade; não obstante, depois da instalação de uma Comissão de Impeachment em Brasília.

No diálogo, a posição clara de cada um é fundamental. Sem isso, não se tem um diálogo, mas um jogo em que o blefe é livre. Por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil se manifestou a favor do afastamento da Presidente da República. Todos os dias, a imprensa divulga a tomada de posição de algum setor importante da sociedade, sendo contra ou a favor, o que é extremamente democrático, promove a transparência e previne atos criminosos; inclusive, possíveis atos “anônimos” que, a exemplo de inúmeros ocorridos nas décadas de 1960 e 70, apenas serviriam para aumentar a tensão social e atirar uns contra os outros. Na política brasileira atual, jogar poker é o mesmo que fazer terrorismo.

E a escola das crianças? Como fica a escola, nos seus níveis fundamental e médio, em plena crise política? No que se refere a um apaziguamento social, o seu papel é incerto.

Dentro ou fora do regime democrático, a escola é um instrumento ideológico. Animam-na, todos os dias, os conflitos originados na sociedade e, preponderantemente na democracia, o equilíbrio das forças. A escola, nesse sentido, pode até ser vista como um microcosmo — um micropaís —, contudo a vigilância em relação a licenças poéticas deve sempre existir. Toda e qualquer instabilidade no equilíbrio abrirá espaço para “jogadores”.

Durante a recente ocupação de prédios escolares, no estado de São Paulo, evidenciou-se um grande interesse político dos jovens.

Naturalmente, sob o desenrolar da Operação Lava Jato, as ocupações escolares de 2015 e 2016 despertaram uma espécie de desconfiança quanto à instituição escolar. Diversos movimentos, especialmente nas suas intervenções digitais, passaram a denunciar a escola como espaço destinado ao proselitismo marxista. O surpreendente despertar para a política, daqueles jovens, teria origem nos últimos 13 anos de ostensiva doutrinação.

Realmente, o fenômeno é de difícil análise e o atual cenário, contencioso e confuso, guarda estreitas relações com essa dificuldade. Um indício de que se joga poker na escola seria, mesmo, o fato de que se joga, e muito, fora dela? Eis a dificuldade tanto para quem defende como para quem denuncia. O caos, afinal de contas, integra o jogo.

Em Gramsci, o pulo do gato da revolução tem hora e lugar para acontecer. Hitler, ao contrário do que muitos dizem, não conquistou um país com a sua oratória, mas conquistou um povo enfraquecido econômica e culturalmente; um povo em que a limpeza ideológica já se estabelecera; enfim, Hitler pôs de joelhos uma multidão alemã da qual os alemães de hoje sentem vergonha.

Gramsci e Hitler pertencem a capítulos diferentes da História. Cada um tem a sua particularidade no socialismo. Um foi principalmente teórico — um anônimo na virada dos 1800 para os 1900. Outro botou a mão na massa.

Contudo, há um ponto em que esses dois se sobrepõem. Um ponto elementar e pueril.

Elementar, porque anima toda a Gênese das Revoluções, desde o Cerco de Massada até a França dos Enciclopedistas. Pueril, porque justifica a vergonha dos alemães em relação aos seus avós. Ambos, Gramsci e Hitler, defendem um aparente diálogo enquanto o que ocorre é uma suja partida de poker. A questão é que os outros jogadores não sabem disso.

Em plena democracia defendida por eles — mas só como ardil —, a população custa a descobrir que o blefe sempre foi livre.

Comentários

Estimulante reflexão, André!

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