O SAXOFONISTA >> Sergio Geia
Era uma crônica sobre patos; na verdade, sobre um programa que assisti hoje na televisão: a senhora numa casa aprazível cuidando de patos. A reportagem mostrava patos selvagens; por lá apareceram e por lá ficaram. A proprietária tratou de aprender a cuidar, consultou veterinário e autoridades. Alimenta o amor até quando resolverem bater asas. Mas eis que no meio de uma introdução que estava a rascunhar, chega até mim a melodia arrastada de um saxofonista.
Tenho conhecimento de que ele se instala na praça todo sábado, com sua tralha e seu instrumento; fica lá o dia inteiro, lutando dignamente pelo seu ganha-pão. Ao que parece é um bom músico. Tem repertório, maneja bem o instrumento. Executa diversas notas com boa técnica. Ao seu redor as pessoas se achegam; timidamente, um ou outro deixa uma moeda.
A música chega suavemente aqui. No barulho da casa quase não a ouço. Quando tudo para, aí sim a percebo. Tenho certeza que muitos gostariam de usufruir desse privilégio: deitar-se, ter às mãos um livro, uma música boa. Que privilégio... Disse-me uma amiga que mora lá perto, que aos sábados é como se o músico estivesse em casa. Quantas vezes não se sentou à mesa, acompanhada de um bom vinho e Chopin?
Um grupo de moradores local, seus vizinhos, me contou certa vez que um abaixo-assinado foi entregue em mãos ao próprio senhor Secretário de Cultura do município. O objetivo, segundo eles, era fazer com que a cidade, tão carente de cultura, investisse mais e melhor em cultura regional, prestigiando principalmente os artistas de rua. “É um desperdício sem tamanho um talentoso saxofonista como ele ficar amarrado todos os sábados aqui, sendo que tantos palcos espalhados pela cidade poderiam receber um pouco de música boa”, disse-me um deles.
No que assenti: “De fato, somos carentes de cultura. E música clássica nos bairros, não haveria de ter projeto melhor; um projeto valioso e, acredito, de custo baixo. Por que não levar Chopin, Beethoven, Tchaikovsky, Johann Strauss, Vivaldi, ou mesmo artistas populares como Elton John ou Dire Straits até os confins do glorioso Belém, da Gurilândia, do Barreiro, da Estiva, na melodia arrastada de um exímio saxofonista?”.
Na certa, pensei, o pobre músico por si só não teria condições de tocar em outros lugares. Precisava de incentivo. Seu pratinho de moedas estaria sempre cheio com o investimento municipal. A cultura chegaria ao povo e não apenas a alguns privilegiados.
“E qual foi a resposta do senhor Secretário?”, perguntei.
“Disse-me que o município já tem projeto nesse sentido. Que haveria até um edital aberto para os artistas, mas que dependia de inscrição do próprio artista”.
Assim, meu amigo falou que agora o grupo estudava uma forma de chegar até o bom saxofonista para estimulá-lo a participar. Entristecido, ele encerrou a conversa:
“Já me acostumei. Aos sábados vou pra roça. Não quero nem saber”.
Ilustração: Carruço (www.carruco.com)
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