LIÇÃO DE CASA >> André Ferrer
─ Fui estragado para a política. Tudo o que os meus pais ensinaram, tantos valores, em todos aqueles anos, impossibilita-me a candidatura. Eis o motivo ─ alertou o rapaz na frente dos quatro senhores. ─ Diz respeito a não mexer nas coisas dos outros, a não prometer o impossível, a não enganar as pessoas, a nunca mentir. Peço desculpas aos senhores. Obrigado. Sinto-me honrado, mas não aceito.
Ele apoiou os cotovelos na mesa e descansou um braço no outro. Assim, encarou cada um dos quatro homens e, em três deles, pelo menos, descobriu uma vontade contida, mas notória, de empregar o qualificativo “moleque”. Charles era o mais novo naquela sala.
─ Estimado rapaz, a ideia foi minha. Tenho certeza de que você fará a diferença.
O presidente do partido estava nervoso, mas era um desses homens conciliadores. Apesar da surpresa, conservava o semblante tranquilo. Seus olhos vagavam ligeiramente de pessoa em pessoa como se assim pudessem construir pontes entre elas. O homem prosseguiu. Dirigia-se, agora, aos diretores do partido:
─ Amigos de luta, os motivos pelos quais eu indiquei o Charles são a sua honestidade e a sua força transformadora. Todos admiram este rapaz na comunidade! É o mentor da associação dos moradores. Idealizou e conseguiu realizar vários projetos.
─ Ele não quer. Esqueça.
─ Eu sou da mesma opinião: esqueça.
─ Andrade! ─ fez o presidente para um dos homens que se manifestara.
─ Sinto muito, mas teremos que encontrar, para este bairro, outro representante do partido na câmara.
─ Imagino, Dr. Andrade, que a sua sugestão seja o Pedro Grão!
─ Exatamente.
Aquela ideia não agradava ao presidente do partido.
─ Por favor, Charles ─ pediu, então, suplicante. ─ Pedro Grão, sem pestanejar, aceitará. Depois da convenção, nada mais poderemos fazer. E se você, rapaz, ficar arrependido? Pedro Grão jamais largará o osso! Pense bem.
─ Arrependimento! ─ disse Charles. No mesmo ato, ergueu um braço, puxou a manga da camisa e verificou as horas no relógio. ─ Fique tranquilo. Não existirá qualquer arrependimento.
─ Acho que é só ─ fez, então, o presidente do partido, que soltou muito ar dos pulmões. ─ Charles deve ter algum compromisso importante. Sugiro que o dispensemos. Ele ministra aulas numa escola de informática. Fique à vontade meu rapaz!
─ Obrigado. Na escola, por enquanto, eu só trabalho de manhã ─ disse Charles, que sorria. Levantava-se. Despedia-se. ─ Agora, estou atrasado para outro compromisso e, realmente, é um compromisso importante.
Majestoso, aquele prédio situava-se numa elevação logo na entrada do bairro. Tinha dois andares e abrigava o Q. G. do Dr. Andrade. O ambiente era climatizado.
Lá fora, o sol distorcia os contornos abrasadores do casario. Apesar do declínio, às cinco e meia da tarde, a luz cozinhava o amianto sujo dos telhados. Qualquer improviso de borracha e arame simplesmente derretia sob aquele halo intenso e vermelho que castigava o mundo. Diante do bairro, Charles comemorou a leveza deixada pelo abandono de um verdadeiro fardo e, em seguida, começou a descer. O calor aumentava durante o trajeto bem como as moscas e o cheiro das manilhas.
Por vários dias, Charles carregara um peso avassalador. Incomparavelmente bom, livrar-se daquilo! Nem a oposição da tarde ao ar-condicionado ─ brusca, cruel, violenta e atroz ─ equiparava-se ao suplício encerrado há poucos minutos.
A casa dele ficava cinco quarteirões bairro adentro. Enquanto vencia a distância, Charles procurava se distrair. Pensava no filho. Teria, já, concluído a lição de casa? O que aprontava o pequeno Lauro àquelas horas?
Ele apoiou os cotovelos na mesa e descansou um braço no outro. Assim, encarou cada um dos quatro homens e, em três deles, pelo menos, descobriu uma vontade contida, mas notória, de empregar o qualificativo “moleque”. Charles era o mais novo naquela sala.
─ Estimado rapaz, a ideia foi minha. Tenho certeza de que você fará a diferença.
O presidente do partido estava nervoso, mas era um desses homens conciliadores. Apesar da surpresa, conservava o semblante tranquilo. Seus olhos vagavam ligeiramente de pessoa em pessoa como se assim pudessem construir pontes entre elas. O homem prosseguiu. Dirigia-se, agora, aos diretores do partido:
─ Amigos de luta, os motivos pelos quais eu indiquei o Charles são a sua honestidade e a sua força transformadora. Todos admiram este rapaz na comunidade! É o mentor da associação dos moradores. Idealizou e conseguiu realizar vários projetos.
─ Ele não quer. Esqueça.
─ Eu sou da mesma opinião: esqueça.
─ Andrade! ─ fez o presidente para um dos homens que se manifestara.
─ Sinto muito, mas teremos que encontrar, para este bairro, outro representante do partido na câmara.
─ Imagino, Dr. Andrade, que a sua sugestão seja o Pedro Grão!
─ Exatamente.
Aquela ideia não agradava ao presidente do partido.
─ Por favor, Charles ─ pediu, então, suplicante. ─ Pedro Grão, sem pestanejar, aceitará. Depois da convenção, nada mais poderemos fazer. E se você, rapaz, ficar arrependido? Pedro Grão jamais largará o osso! Pense bem.
─ Arrependimento! ─ disse Charles. No mesmo ato, ergueu um braço, puxou a manga da camisa e verificou as horas no relógio. ─ Fique tranquilo. Não existirá qualquer arrependimento.
─ Acho que é só ─ fez, então, o presidente do partido, que soltou muito ar dos pulmões. ─ Charles deve ter algum compromisso importante. Sugiro que o dispensemos. Ele ministra aulas numa escola de informática. Fique à vontade meu rapaz!
─ Obrigado. Na escola, por enquanto, eu só trabalho de manhã ─ disse Charles, que sorria. Levantava-se. Despedia-se. ─ Agora, estou atrasado para outro compromisso e, realmente, é um compromisso importante.
Majestoso, aquele prédio situava-se numa elevação logo na entrada do bairro. Tinha dois andares e abrigava o Q. G. do Dr. Andrade. O ambiente era climatizado.
Lá fora, o sol distorcia os contornos abrasadores do casario. Apesar do declínio, às cinco e meia da tarde, a luz cozinhava o amianto sujo dos telhados. Qualquer improviso de borracha e arame simplesmente derretia sob aquele halo intenso e vermelho que castigava o mundo. Diante do bairro, Charles comemorou a leveza deixada pelo abandono de um verdadeiro fardo e, em seguida, começou a descer. O calor aumentava durante o trajeto bem como as moscas e o cheiro das manilhas.
Por vários dias, Charles carregara um peso avassalador. Incomparavelmente bom, livrar-se daquilo! Nem a oposição da tarde ao ar-condicionado ─ brusca, cruel, violenta e atroz ─ equiparava-se ao suplício encerrado há poucos minutos.
A casa dele ficava cinco quarteirões bairro adentro. Enquanto vencia a distância, Charles procurava se distrair. Pensava no filho. Teria, já, concluído a lição de casa? O que aprontava o pequeno Lauro àquelas horas?
Comentários
A carapuça sirva a quem dela necessitar.
Crônica lançada em momento muito adequado.