DIÁRIO DE DOMINGO >> Sergio Geia
No final da oitava volta, encontrei tio Milton saindo da igreja. Como sempre, perguntou de minha mãe, que luta contra um câncer, das crianças, e, por último, de mim. Tio Milton também não anda bem. Disse-me que é problema de intestino. Outro dia fez exames. Come pouco, mais cozidos, algum legume, vegetais “brócolis não”, nada de gordura ou abusos. Disse-me que no geral vai indo. Depois acrescentou: “como Deus quer”.
Tio Milton é o mais velho dos irmãos de meu pai. Ou seria tia Dayse a mais velha? Acho que sim. Tia Dayse era a mais velha dos irmãos de meu pai. Tio Milton veio depois. Viúvo, é meu vizinho aqui na JK. Lembro-me dos Natais na casa da minha avó, na professor Moreira. Tio Milton nos presenteava com uma caixa de Bis embrulhada em papel de presente. Todos os anos o presente não falhava. De tudo que ganhava, de brinquedinhos e badulaques, camisas e cuecas, era o Bis do tio Milton o presente que mais gostava.
Sua esposa sucumbiu ao câncer. Ele tinha experiência nesse tipo de batalha. Aliás, toda nossa família tinha. Perdemos tio Ademar, tia Dayse, tia Teresa — a esposa do tio Milton, e meu pai. Disse-me que tia Teresa submeteu-se a dez sessões de quimioterapia e radioterapia simultaneamente. Não aguentou. Nunca mais saiu da cama. O tratamento abriu feridas internas inimagináveis. Ela não conseguia comer.
Baixei no supermercado para uma comprinha. Mas, amigo, como as coisas andam caras!? Já viu o preço do azeite? E do condicionador? Desodorante então! Os produtos sobem todos os dias e o salário é uma galinha morta. Quem é servidor público então, como eu, tá danado. Aumentar salário de servidor público é um crime contra a humanidade.
Roseli, minha prima, esteve aqui em casa pra pegar um violão. Pediu emprestado. Disse que vai esperar pra ver se Brendinha engrena nas aulas. Pois dei de presente. Como diz um velho amigo, temos que simplificar as coisas, e hoje sou daqueles que têm mais passado que futuro. Já tenho um violão aqui na sala, que toco de vez em quando, pra que dois? “Emprestado não, Roseli. É presente meu”.
Fui almoçar com minha mãe no clube. Sonhava com feijoada gorda, torresminho, uns gominhos de laranja, cachaça pra abrir o apetite. Nada. Tive que me contentar com um bom churrasco. Bateu saudades do Pelourinho. Pois lá experimentei uma feijoada dos deuses, biscoito fino. O baiano sabe fazer uma feijoada carioca.
O clube anda cheio aos domingos. O calor empurra a criançada para a piscina. Mesmo assim minha mãe sentiu falta de encontrar amigos. A velha guarda não apareceu. Mas elogiou a coxinha, disse que o tempero estava bom. “Pois se você está dizendo, deve estar mesmo”. Ela me olhou torto.
De volta a casa dei uma espiada na televisão. Os programas de domingo estão ruins. Lembrei-me da manga. Sim, tinha manga na geladeira, uma manga-rosa que não amadurecia. No sábado, tratei de deslocá-la pra fruteira. Não é que deu certo? Estava boa a danada.
Deitei pensando na vizinha. Será casada? Solteira? Mas logo o pensamento me abandonou. Dormi.
Comentários
Sempre fui muito chegado em futebol. Meu pai fora um bom jogador e eu pretendia ser igual.
Devo confessar que passei longe disto.
Mas, aqui chegando, fui procurar ver um jogo de futebol. Um primo me levou ao campo da predial, onde estava jogando um time chamado Comercial e, no qual, jogava meu tio, Edson Passarelli.
Claro que passei a torcer por este time.
No gol jogava um jovem minúsculo, magrinho, sem nenhuma força física. Quando vi aquele gloleiro entrando em campo, não acreditei.
Que bela surpresa! Ele pegou tudo. Era de uma habilidade incrível e de uma coragem sem igual.
Fiquei seu fã e, depois, ficando seu amigo, fiquei muito orgulhoso.
Ele se chamava Paulista e é o seu tio.