O CONTRATO - PARTE I >> Zoraya Cesar

Era dia de jogo do Brasil com algum outro país do qual ela não lembrava o nome nem fazia questão de saber. Jamais gostara de futebol, coisa de gente louca, que brigava, matava e morria por um time cujos jogadores nem tinham amor à camisa, iam aonde o dinheiro cantasse mais alto. Brigar, matar e morrer, que fossem por uma boa causa. 

(Tênis, golfe, esses eram esportes decentes, onde os jogadores suavam por sua própria camisa e os torcedores não compravam vuvuzelas nem saíam espancando os outros por aí, pensava).

As ruas estavam apinhadas de gente correndo esbaforida, querendo chegar em casa, no bar, no vizinho, aonde fosse, a tempo de ver o maldito jogo. Ela caminhava na contramão do fluxo, esbarrando nuns e noutros, concentrada em não esmorecer nem se acovardar. 

À medida em que se afastava das vias principais e das estações de metrô, a quantidade de pessoas nas ruas diminuía significativamente, tornando mais fácil o caminhar. Entrou num sebo de livros raros e discos de vinil, um lugar que sempre lhe trouxera conforto, mas nem se deu conta. Entrara apenas a fim de ler o mapa que desenhara toscamente, pois, da Praça Tiradentes em diante ela deveria seguir por uma sucessão de ruelas desconhecidas, algumas sem placa, e o sujeito com quem deveria se encontrar recusara-se a dar-lhe um endereço que pudesse ser colocado no GPS. Esquisitices, pensou ela. Mas, afinal, o assunto a ser tratado entre eles também não era dos mais normais. 

Seguindo o desenho mapeado por suas mãos trêmulas, seguiu por ruas nas quais só havia construções de dois andares, mal cuidadas, empobrecidas, cinza. Essas casas são como eu, que já fui bonita e agora estou largada, alquebrada, envelhecida, e tudo por culpa de... uma sirene de polícia tocou alto numa rua próxima e ela se assustou, voltando a se concentrar. Se errasse o caminho não conseguiria encontrá-lo de novo e a última coisa que podia acontecer era se perder e chegar atrasada ao encontro. O sujeito fora categórico: um minuto de atraso que fosse, e ele não a receberia; antes da hora aprazada, também não. Pontualidade, dissera ele ao telefone, era condição sine qua non para qualquer negociação. 

Caminhava mais lentamente agora, observando os cômodos das casas de janelas abertas, onde se viam sofás usados, mesas com toalhas de plástico, paredes descascadas, as televisões em alto som; crianças brincavam nos portões, e mulheres de pernas grossas faziam as unhas sentadas nas calçadas, trocando ideias sobre a novela das oito e a vida alheia. Nas biroscas, homens sem camisa bebiam em copos cheios de cerveja aguada, olhando mesmerizados para a tela da TV de tubo, esperando o jogo começar. 

O mapa chegara ao fim, e ela, a uma rua deserta, sem casas, apenas enormes pavilhões fechados. Ficou nervosa. Estaria perdida? Andou cuidadosamente, até encontrar, espremida entre um prédio e um muro, a tal porta verde que procurava. Não havia letreiros, número, nada que identificasse o lugar. 

Ela entrou, amedrontada, mas entrou, agora iria até o fim. 

Uma espécie de inferninho, concluiu. Do outro lado da insuspeita porta verde escondia-se um enorme bar, penumbroso, meio decadente, mas limpo. No ar, cheiros de cigarro, suor, perfumes e bebidas se misturavam ao som de algo que ela não soube identificar, mas era King Crimson, saindo de uma juke box em bom estado.

Os fregueses. Ninguém poderia dizer ter conhecido um lugar verdadeiramente eclético antes de ter passado por ali. Havia um grupo de skinheads, as pesadas botinas em cima da mesa, às gargalhadas com um travesti. Um gótico fumava silenciosamente ao lado de um rapaz que, pela compleição, só podia ser surfista. Metaleiros, heavy metals, andróginos, muitas tribos estavam representadas ali, de todas as idades. Alguns tipos de terno e gravata tinham um ar soturno e perigoso. Que lugar! Ela ficou à porta, paralisada de espanto.. 

Mulheres, apenas ela e a bartender, uma pin up girl lindíssima, como todas são, que, sorrindo, apontou para uma mesa escondida no canto mais escuro:  

– O seu encontro te espera lá – e voltou a conversar com um homem de cabelo escovinha e coturnos militares.

Ela respirou fundo. Levara quase dois anos para acertar aquele encontro, depois de muito perguntar, assuntar, pesquisar e fazer coisas insanas e questionáveis.  De qualquer forma, quem procura acha, mesmo que pague um alto preço por isso, não importa. 

Um dia você chega ao santuário da elite dos matadores de aluguel.

Continua no dia 26 de setembro

Comentários

como assim?????

tá ficando abusada, menina, dia 26, depois de já ter passado um tempão longe, é maltratar demais, rsrs

bj
Anônimo disse…
26??? pô....
Erica disse…
Caraca, quem vc vai matar dessa vez? Pensei que vc ia voltar das férias com ideias menos sinistras, mais românticas rs
Anônimo disse…
Vai ter Felipe Espada?
aretuza disse…
isso é que é morte anunciada! tomara que o Espada entre em ação!
Anônimo disse…
Oi zoraya continuo acompanhando sseus textos sempre ansioso pelo fim do mistério abç Leonardo Campos

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