ACERCA DE UM DRAMA PEQUENO-BURGUÊS >> Whisner Fraga

Então a família do colega de classe de nossa filha se prepara para a comemoração de três anos de seu rebento, ansiosa como todos podem imaginar. E convida todos os pais de todas as crianças da sala de Helena. Assim que recebo a convocação, começo a suar frio, já imaginando como enfrentar a fatídica noite em que terei de sorrir para todos, em que terei de ser sociável, em que terei de ouvir trivialidades de desconhecidos, em que terei de fingir preocupação com as acrobacias dos filhos alheios, mas a vida é assim mesmo, cheia de sacrifícios e o que a gente não faz pelas crianças, não é mesmo?

Então sacrificamos nossa noite de sábado, para a alegria de Helena. As festas infantis continuam as mesmas: há sempre o pentelho que é o mentor das maiores barbáries, o líder que contagia e leva os demais enfants terribles a fazerem o que normalmente não fariam se estivessem sozinhas. Alguns especialistas chamam isso de “efeito manada”. Há as mães desesperadas com possíveis tombos, hematomas, cortes e demais traumas, sempre presentes em locais em que se reúnem mais de dois fedelhos.

Ocupamos uma mesa, o que é um abuso, considerando a razão cadeiras versus convidados. Assim, é de se esperar que algum casal compartilhe, sem cerimônia, aquele cantinho de sala que escolhemos com tanto apuro, para ficar, justamente, longe de qualquer ameaça de contato. Vamos lá. Aí o assunto versa sobre o tempo, sobre o desenvolvimento escolar de nossa prole, sobre os avanços cognitivos da molecada, sobre os materiais didáticos que a escola disponibiliza e outras trivialidades. O problema são as trivialidades. Porque é justamente quando chega neste tópico que alguém resolve falar bem de algum político de direita, o que é muito comum no estado de São Paulo. Assim, sem mais nem menos, como se a famigerada classe média tivesse a obrigação de se unir em torno de um ideal conservador e ultrapassado.

Nesta hora é importante respirar fundo. Penso em colocar os fones de ouvido, mas Ana não deixa. Então foco na cerveja, que inclusive havia parado de tomar, mas a pressão é tamanha que não resisto. Na mesa em frente, um casal estranho me encara. Ele, um moleque de dezoito ou vinte anos. Ela, uma balzaquiana, na melhor das hipóteses. Limpo a boca: pode ser que tenha esquecido um pouco de espuma de colgate nos cantos e por isso me olham. Continuam. Começo a ficar constrangido, mas, de repente, decido que olhar não arranca pedaço. E sigo em frente o meu flerte com a Itaipava.

Peço mais uma latinha. Resolvo rascunhar o que acontece à minha volta, pensando em guardar um bom material para duas ou três crônicas, para quando estiver sem assunto. Por falar em temas, recebi duas mensagens de leitores, acusando meus textos de inúteis. Ora, sempre acreditei e defendi que a literatura não deve ter utilidade nenhuma. Talvez o calor das eleições que se aproximam faça com que os cidadãos vejam denúncia, oportunidade, picuinha e indício em tudo o que miram. Pode ser que tenham razão. Quem sabe eu escreva, algum dia, algo útil? Por exemplo, qualquer coisa sobre política?

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