FORA DE ÓRBITA >> Fernanda Pinho



E aí que está rolando uma seleção para formar um grupo de pessoas que deverá iniciar o processo de colonização de Marte. Pois é, Marte, o planeta. O mais bizarro é que mais de 100 mil pessoas já se candidataram para participar do processo seletivo para a viagem SÓ DE IDA que deverá acontecer em 2022. Eu li a matéria perplexa, imaginando o quão infelizes, tristes, solitários e sem perspectivas deviam ser esses candidatos (afinal, quem quer viver pra sempre numa redoma controlada?). Mas, para minha total surpresa, eu estava equivocada. O que passou pela minha cabeça parece estar longe de ser o perfil de pelo menos uma das candidatas. Brasileira, de 21 anos, estudante de Ciências Sociais pela UFRJ, a moça mostrava riso fácil nas fotos que ilustravam sua entrevista e dizia estar feliz por estar entre os candidatos mais cotados.

Olha, moça, desculpa. Eu sei que você não me conhece e que eu não tenho o menor embasamento para discutir os pormenores científicos da empreitada, mas vou falar a verdade: estou torcendo para dar errado e você não embarcar coisíssima nenhuma. Pronto, falei.

E são tantos os motivos que tenho para achar tudo isso um absurdo que nem sei por onde começar. Iniciemos, então, tentando entender o que se passa na cabeça dessa gente. Será que o atrativo é o fato de ser uma experiência única? Olha, pra mim não é experiência, muito menos única. Experiência é quando existe troca. Quando você viaja para uma terra distante, compartilha a sua cultura com o povo de lá e volta pra sua terra compartilhando o que aprendeu com o povo daqui. Experiência é vivência e o que esses “turistas” terão em Marte será, no máximo, uma sobrevida. E com relação ao pioneirismo, balela. Milhões de anos atrás nossos ancestrais já inauguraram a condição de serem os primeiros humanos a povoarem um planeta.

A parte essas ideologias de mártires interplanetários,  e a vida aqui na Terra, como fica? Se você é do tipo que engrossa o coro dos descontentes já deve estar torcendo o nariz pra mim e pensando “ah, mais a vida na Terra nem é tão boa assim”. Ok, ok. Em Marte você nunca mais irá se decepcionar com uma pisada de bola de um amigo de infância. Em compensação você nunca mais terá ao seu lado um amigo de infância, com quem você se comunica apenas pelo olhar. Você nunca mais será obrigado a inalar o ar poluído de uma grande cidade. Mas nunca mais sentirá a brisa marítima tocando seu rosto durante uma caminhada à beira-mar. Você nunca mais será perturbado por ruídos de buzinas, sirenes, britadeiras e vizinhos ouvindo funk. Mas nunca mais se arrepiará com os sons de uma orquestra,  com um tango sendo executado ao vivo, com a voz dos pais dizendo que te ama. Você nunca mais correrá o risco de sair e sair assaltado. Nem correrá o risco de sair e encontrar pessoas que te matem de rir, de sair e encontrar alguém que faça seu estômago gelar e seu coração parar por um segundo, de sair e...viver!


O que me consola, na minha posição de indignada-intrometida, é pensar que essa moça tem apenas 21 anos. Quando a viagem acontecer, ela terá a idade que eu tenho hoje - e as coisas mais incríveis da minha vida, diga-se de passagem, aconteceram dos meus 21 anos pra cá. Espero que na vida dela também aconteçam coisas que a faça reavaliar uma decisão tão definitiva. E espero mais ainda que aconteçam coisas no nosso planeta que faça todo esse projeto ser revisto. E nem venham me acusar de romântica pois não estou falando só de coisas boas não. Mas principalmente das coisas ruins que só nós podemos consertar (na falta de marcianos dispostos a virem resolver nossos problemas). Acho mais lógico querer fazer história melhorando a Terra, que já está toda avacalhada mesmo, e deixando o pobre coitado de Marte em paz.

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