AMOR A JATO >> Albir José Inácio da Silva

Virgílio virgulava a manchete com palavrões, e a indignação dos outros o acompanhava num jogral que era também comemoração. Cidadão de bem fica feliz de ver na cadeia ladrões, corruptos, estelionatários e outros espertos. Comemoravam a prisão do sacerdote que prometia trazer em três horas a pessoa amada, em troca de módica contribuição para agradar as entidades.

Mas não havia consenso. Daniel, ativista de defesa do consumidor, exasperava-se:

- Seus métodos de cobrança são um absurdo!

Espumava com as ameaças de que Lúcifer em pessoa se encarregaria das punições espirituais se não fosse entregue a seu preposto o justo pagamento pela imediata devolução da amada. Pagamento antecipado ainda por cima. Se não bastassem tais pressões, Pai Brutus saía em campo para cobranças mais dolorosas. O contrato tinha de ser cumprido, mesmo modificado unilateralmente com acréscimo de parcelas, porque não estava sujeito à lei dos homens.

Tânia, intelectual que recuperara um namorado com a ajuda de uma cigana, ponderava:

- Talvez na ânsia de fazer justiça por defraudações sofridas, o povo aplaude, com afoiteza e alguma injustiça, o enquadramento pela polícia de um bem intencionado cupido que passa a vida a reunir amantes desgarrados.

Ela desfilou injustiças praticadas por agentes públicos e privados: o cidadão paga à Companhia de Águas e Esgotos por água que nunca bebeu e por manilhas que só lhe esgotam a paciência; paga por saúde e previdência, mas morre na sala de espera e antes de se aposentar; paga por milagres que nunca vê em prestações a perder de vista; vota em representantes que se especializaram em fraudar o erário; paga por segurança e recebe espancamento de quem deveria garantir-lhe a integridade. E acrescentou:


- O que é uma cobrançazinha a mais que nem é para ele, é dos santos? Quem garante que ele não traria no prazo, completado o arranjo? Quem sabe se as entidades não pediram sucessivas oferendas que o obrigaram a pedir mais dinheiro? E por que a versão da polícia é melhor que a dele?

Geraldo, romântico que até então não tinha posição na contenda, pendeu para o lado de Tânia.

- Muita gente traz o amor em três dias e recebe aplausos. Por que querem puni-lo por trazer em três horas? Pode parecer pouco tempo, principalmente se o amor estiver no Acre ou no Japão, mas pensem comigo: alguém que consegue transformar um coração para fazer amar o que já não ama e consegue fazer voltar o que partiu, que dificuldade teria para providenciar um simples teletransporte?

Virgílio amassou o jornal e Tânia concluiu, intelectual e vitoriosa:

- É a punição da eficiência.

Comentários

Zoraya disse…
Albir, esse final foi perfeito!Adorei a ideia. E muito legal o fato de justamente a intelectual da história ter recuperado o namorado com a ajuda de uma Cigana (será que era Mme. Cora?). Bom demais, como sempre. Beijos
É por essas e outras, Albir, que é melhor deixar o amor ir de vez em vez de querer trazê-lo de volta. :) Muito divertidas as falas de seus personagens.
albir disse…
Claro que é Mme. Cora, Zoraya. È uma honra dividir personagem com você. Beijos.


Trazer amor de volta pode ser muito perigoso né, Edu?
Zoraya disse…
Albir, a honra é minha, muita! Eu estava brincando, mas gostei da ideia. No momento em que você quiser, ficarei orgulhosissima.

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