O PEDIDO >> Fernanda Pinho
O pedido de casamento começou a se desenhar quando ele ligou
para minha casa e me disse que precisava falar com a minha irmã. É claro que
minha intenção era perguntá-la depois qual era o assunto. Mas o destino parece
torcer para o romantismo pois fez com que um primo meu chegasse na minha casa
justo nessa hora, de modo que fui atendê-lo e me esqueci por completo do
telefonema. Como é fácil fazer surpresa pra gente lerda. E como é fácil quando
se tem uma cúmplice sagaz como minha irmã que, sei lá porque cargas d'água,
sabia com precisão o número do meu dedo (eu, por minha vez, nem sabia que dedo
tinha número).
Três semanas depois ele desembarcou no Brasil, com o anel e
duas horas de atraso. Só quem já namorou à distância sabe o que duas horas de
atraso significam. A sensação que se tem é que vai chegar seu aniversário de 80
anos e seu amor não terá desembarcado. Tamanha ansiedade fez com que, ao ler
"avião no pátio" no painel do desembarque eu fosse acometida por uma
vai-ser-inoportuna-assim-lá-longe dor de barriga. Pensei em esperá-lo antes de
correr para um banheiro, mas logo constatei que se o fizesse encenaria uma
situação extremamente constrangedora, se é que vocês me entendem. Não teve
jeito, lá fui eu, suando frio, pro banheiro do aeroporto.
Claro! Foi a conta de eu entrar no banheiro e ele aparecer,
segundo me contou minha mãe, que estava me acompanhando. Primeiro ele levou um
susto ao não me ver, depois ouviu a explicação da minha mãe e riu, achando
aquilo bem "típico de mim". Quando saí do banheiro, o vi de longe.
Ele também me viu. Corremos em slow-motion para os braços um do outro, os sinos
badalaram, tocou Every Breath You Yake, e todas as pessoas do aeroporto
desapareceram. Menos os pais dele que estavam logo atrás. "Uai, seus pais
também vieram?". "Vieram te fazer uma surpresa". Eu entendi que
a surpresa era exatamente aquela: a presença dos dois ali. Mas não era bem
isso, o que eu só fui entender à noite.
Havíamos planejado de, na
primeira noite dele no Brasil, sairmos para jantar, só os dois. E assim
teríamos feito se eu soubesse que devemos colocar água no carro. Pois é, eu não
sabia e o carro deu tilt no meio do caminho. Alguns transeuntes tentaram nos
ajudar, minha irmã e cunhado vieram em meu socorro, mas nada adiantou. Tivemos
que chamar o reboque que demorou cerca de duas horas pra chegar. Já eram quase
meia noite e ainda estávamos eu, minha irmã, meu cunhado, meus pais (que
resolveram ir atrás) e ele (com o pedido de casamento no bolso) morrendo de
frio numa rua erma de Belo Horizonte.
Quando, enfim, conseguimos voltar para minha casa, fomos
surpreendidos por uma faixa na fachada do prédio. Era uma homenagem da minha
mãe para minha irmã, que colaria grau no dia seguinte. Eu já estava começando a
achar que tudo era um sonho. Daqueles confusos, em que eventos desconexos como
diarréia em aeroporto, reboque de carro, homenagem pra irmã e o amor vindo com
os pais de outro país só pra ter ver convivem naturalmente.
Se era um sonho, a melhor parte ainda não havia chegado.
Quando, enfim, conseguimos nos sentar no sofá da minha casa para conversar
(enquanto todos da família já haviam ido dormir), ele me fez um pedido. Não,
ainda não era esse. Ele me pediu um copo de água. "Vem comigo, vou pegar
pra você". "Ah, busca pra mim, eu fico aqui". "Não,você tem
que pegar a água. Não quero você com frescura aqui em casa". "Por
favor, pega pra mim. Tenho preguiça". "Ok, ok. Mas é a primeira e
última vez que faço isso, tá?". Lá fui eu, tosca e reclamona como sempre.
E então eu voltei com a água. Voltei para a sala, mas não
precisamente para o planeta Terra. Fui subitamente transportada para uma outra
dimensão ao vê-lo me estendendo a mão com uma caixinha. O misto de choque com
miopia me fez levar uns bons segundos para entender o que estava acontecendo.
Precisei dar um zoom com a visão naquela caixinha preta e ainda não foi
suficiente. Era necessário que ele dissesse alguma coisa. E ele disse:
- Casa comigo.
Minha boca disse sim. E minha alma, precipitada que só ela,
casou-se com ele ali mesmo, naquele instante.
Dois dias depois o pedido foi formalizado entre famílias. Os
pais dele foram até a minha casa pedir minha mão aos meus pais como, em pleno
2012, ainda manda a tradição chilena. Bom, eles chamam de "tradição
chilena", eu chamo de compromisso, respeito, seriedade, hombridade e amor.
Pedido feito, pedido aceito. Meus pais não poderiam dizer
"não" para uma pessoa que eu, tenho certeza, disse "sim"
antes mesmo de nascer.
Imagem: sxc.hu
Comentários
Eu, que esperei 5 anos pelo dia que colaria grau, vi meu sonho virar ainda mais história de novela...
Foi tudo tão esperado, e ao mesmo tempo tão inesperado... Um bombardeio de emoções que, definitivamente, não esquecerei jamais.
Esta sexta-feira e os dias que se seguiram foram os mais felizes e emocionantes do ano, o que dirá da minha vida. Eu choro só de lembrar, acredita?