TALVEZ >> Albir José Inácio da Silva

Lá fora tem um sol desses de assar gringo sorridente. Eles se deitam de barriga pra cima e ficam lá sentindo o calorzinho e o ventinho, o calorzinho e o ventinho até que um deles grita, reconhecendo no outro a brasa em que se transformaram. Mas essa divagação sobre gringos é pra fugir do problema. Talvez a praia não fosse um problema, se fosse a única possibilidade.

Mas a praia não é a única possibilidade e, além disso, tem areia quente, raios cancerígenos e a água que pode estar contaminada. Talvez eu fique melhor lendo aquele livro que já comecei quatro vezes. Isso talvez signifique melhor descanso porque hoje é domingo e aquele bando de gente barulhenta da praia não descansa ninguém.

Mas talvez eu não esteja precisando de descanso nenhum. Preciso, isso sim, de atitude, movimento, para que a semana comece bem, com energia, e não se arraste sem graça e repetida como se durasse um mês.

Ou talvez deva mesmo ficar em casa, mas pra fazer aquele trabalho chato que já cobraram tantas vezes e eu não tenho mais desculpas. Ora, danem-se! Duvido que eles fiquem fazendo relatórios no domingo. O melhor é assistir televisão que não se precisa responder, nem se mexer, nem pensar; e descanso é isso, é um quase morrer.

Se alguém ligasse me convidando pra alguma coisa... Lembro que nas segundas-feiras há sempre gente comentando programas comuns, fulano ligou pra sicrano e fizeram isso e aquilo. Que inveja! Talvez eu devesse ligar pra alguém. Ou chegar na casa de alguém. Uma surpresa. Surpresas, outra inveja! Nada me surpreende. Tenho sempre que escolher o que fazer e aonde ir.

Enquanto não resolvia, fui andando até a praia pra ver se ela me convidava. Tudo estaria resolvido com um convite. Só ouvi a freada e um capacete que falava com a viseira levantada. O resto foi surpresa, cabeça rodando, muita atividade a minha volta, e a maca. Depois radiografias, curativos, injeções, comida ruim e gesso. Às dez da noite voltei para casa com uma bengala e um alívio: o domingo estava plenamente resolvido.

Amanhã vai ser mais fácil, com menos opções. O relatório alguém vai ter de fazer; a praia está descartada, com ou sem sol; e não vai ter trabalho por muito tempo. Claro que nem tudo está resolvido. Aquele livro continua lá, ameaçando - é uma vergonha não conseguir terminar um livro - além de não poder começar outro. E tem a televisão, que pra doente talvez seja o remédio mais indicado. Talvez.

Mas isso é assunto pra segunda-feira – cada dia deve ter seus próprios problemas – e pra hoje já foi demais. Eh, vida dura!

Comentários

Albir, sua crônica produziu em mim um som: o som do riso. Bom demais para uma segunda-feira. :)
Marilza disse…
Albir, começos são sempre dificeis, mas depois engatam....rs
Nicole Ayres disse…
Bem legal a crônica!
Melhoras pra você! rs

Abraços!

http://vivereler.blogspot.com/
albir disse…
Que bom saber disso, Edu.


Vai melhorar, Marilza, vai melhorar!


Obrigado, Nick, volte sempre.
Albir, você é ótimo! Adoro a dinâmica dos seus textos. O leitor fica ansioso pelo final e, ao mesmo tempo, fica triste quando chega ao fim, porque tem gostinho de quero mais. Muito bom de segunda-feira a segunda-feira. :)
albir disse…
Marisa,
até o personagem melhorou com o seu comentário balsâmico.

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