EM DEFESA DA POESIA SANGUÍNEA
>> Leonardo Marona
Quero começar falando de Marllamé. E o que é Marallmé? Certamente não é Mallarmé. E Mallarmé, o que seria? Nada além de alguém que poucos leram, e um dos maiores escritores de todos os tempos – antes de tudo, um dos maiores inventores. Indo mais fundo, o que é Mallarmé senão um erro de nome, um “começar-errado-um-texto-pensando-em-algo-além-de-nós”. Mallarmé é um gênio justamente porque é um alarme falso, um aviso de que, por melhor que fosse, não, isso não era coisa para ser aguentar por muito tempo. As invenções têm esse dilema incrível. São tão intensas e profundas que ferem de bom grado a existência, mas, como não são a existência e sim uma luta contra ela, elas jamais poderão ser duráveis como escudo, porque se deterioram conforme a existência – substância maleável – vai mudando de espécie e exigindo um novo nome de combate. E queremos, todos aqui, corresponder às armas da nova violência enternecida.
E não podemos apenas ser o que sofremos. Não conseguimos, a forma é pouco, queremos algo mais próximo da pele. Não nos envergonhamos mais dos antigos clichês. Lutamos em vida contra o adiamento do sangue, somos as veias entregues às rasas vielas, e no fundo nos envergonhamos, e isso completa o nosso ciclo anti-geométrico. Porque somos bons, somos bons à Dostoiévski, passíveis de riso, e seremos capazes de fugir dos monstros da estrutura formalizada, e não importa muito que tenham feito isso antes, isso será feito sempre, em algum lugar, e isso nos basta por ora, para fazer também. Não se cobrir com o cobertor de musgo da felicidade antecipada pela forma, faremos isso mesmo com os cotovelos esfolados. Somos bons porque sabemos bem demais que não podemos nos orgulhar de muito pouco.
O problema é que anos de movimento em direção à forma do que sentimos fizeram com que fôssemos ensinados diariamente assim, formalizando relações estéreis e cuspindo na poesia, que a melhor coisa vergonhosa que uma pessoa pode fazer. Tudo em detrimento do que transborda de cada um de nós em vergonha, porque é demais, e de forma alguma seria formal.
Mas acontece que agora temos os novos poetas. E qual dos novos poetas sabe ler o que diz Mallarmé? Que me explique, se quiser, um novo poeta a como ler Mallarmé, e eu direi: Se for para não entender nada, prefiro Augusto de Campos, que sei lá quantos anos têm, mas posso saber num minuto. E esse é o problema da – digamos – nossa geração. Vive-se o problema do minuto. Num minuto podemos saber o que quisermos, e por isso quereremos pouco. Mentiremos sobre isso, mas quereremos pouco. Mas em momento algum nos perguntamos o que será de nós nos minutos que não escolhermos. Ou seja, Mallarmé instaura, por fraqueza de espírito, em suma por medo, a poesia de escritório, a técnica do espírito. Isso é lindo, se visto com distanciamento e um talento comedido. Mas pode ser a morte para os que já nasceram com a verve em volta do pescoço.
E com isso – como com Proust, como com Shakespeare, como com Laurence Sterne, como com Homero, e até como com Dostoiévski – ficamos importantes demais para sermos vivos. E, acima de tudo, comemos com todo mundo. Com essa ideia de que podemos ser o que não somos, quase como um fetiche de coisa alguma. No nosso caso, que vivemos de livros, existe esse triste buraco entre o leitor e o escritor (e aqui falo, desde o início, como leitor), que impede que um se inteire totalmente do mais importante, o que causa a dádiva. E o que prendemos com esses tais encanadores perspicazes de dádiva, que as colocam entre anos e dedicam com bigodes para sentar sobre bíblias, é repatriar a nossa própria emoção em diáspora.
E por que escrever um poema, a não ser por um motivo profundo, de fácil escape? Resolver com erros o irresolvível fato. Mas os realizadores de formas não querem mais do que tradição. A dádiva, o espanto, eles só existem agora nas relações virtuais, namoro entre fantasmas. Somos capazes de formar mil grupos, mas não podemos mais tocar no que um pensa. E calha que, para isso, a forma é o mais eficaz disfarce. Nos ajuda a ocupar boas mesas e, quem sabe, dando alguma sorte, acordar a tão famosa crítica. Ao passo que – tradição por tradição – não existe nenhuma outra mais antiga do que a dor do Homem sobre a Terra, com um porém: a tradição da dor humana sobre a Terra não pode ser, nem jamais será, formalizada em castas de conhecimento formal. Em suma, um sujeito ambicioso pode jurar a si mesmo e aos outros – e até convencer muitos – que sofre como Gogol, que padece do Mal de Lautréamont, o que por si só já seria uma parvoíce, mas geralmente passa pelo crivo geral porque o próprio crítico, o próprio editor, em geral eles tomam um empréstimo, através da análise da forma, da “dor bem sucedida” dos que os antecederam. E com isso não há grandes complicações, a pessoa janta mais tranqüila e jamais sente frio no verão. Ah, mas como é fria no papel a dor alheia quando formalizada ao ponto da incompreensão!
E não podemos apenas ser o que sofremos. Não conseguimos, a forma é pouco, queremos algo mais próximo da pele. Não nos envergonhamos mais dos antigos clichês. Lutamos em vida contra o adiamento do sangue, somos as veias entregues às rasas vielas, e no fundo nos envergonhamos, e isso completa o nosso ciclo anti-geométrico. Porque somos bons, somos bons à Dostoiévski, passíveis de riso, e seremos capazes de fugir dos monstros da estrutura formalizada, e não importa muito que tenham feito isso antes, isso será feito sempre, em algum lugar, e isso nos basta por ora, para fazer também. Não se cobrir com o cobertor de musgo da felicidade antecipada pela forma, faremos isso mesmo com os cotovelos esfolados. Somos bons porque sabemos bem demais que não podemos nos orgulhar de muito pouco.
O problema é que anos de movimento em direção à forma do que sentimos fizeram com que fôssemos ensinados diariamente assim, formalizando relações estéreis e cuspindo na poesia, que a melhor coisa vergonhosa que uma pessoa pode fazer. Tudo em detrimento do que transborda de cada um de nós em vergonha, porque é demais, e de forma alguma seria formal.
Mas acontece que agora temos os novos poetas. E qual dos novos poetas sabe ler o que diz Mallarmé? Que me explique, se quiser, um novo poeta a como ler Mallarmé, e eu direi: Se for para não entender nada, prefiro Augusto de Campos, que sei lá quantos anos têm, mas posso saber num minuto. E esse é o problema da – digamos – nossa geração. Vive-se o problema do minuto. Num minuto podemos saber o que quisermos, e por isso quereremos pouco. Mentiremos sobre isso, mas quereremos pouco. Mas em momento algum nos perguntamos o que será de nós nos minutos que não escolhermos. Ou seja, Mallarmé instaura, por fraqueza de espírito, em suma por medo, a poesia de escritório, a técnica do espírito. Isso é lindo, se visto com distanciamento e um talento comedido. Mas pode ser a morte para os que já nasceram com a verve em volta do pescoço.
E com isso – como com Proust, como com Shakespeare, como com Laurence Sterne, como com Homero, e até como com Dostoiévski – ficamos importantes demais para sermos vivos. E, acima de tudo, comemos com todo mundo. Com essa ideia de que podemos ser o que não somos, quase como um fetiche de coisa alguma. No nosso caso, que vivemos de livros, existe esse triste buraco entre o leitor e o escritor (e aqui falo, desde o início, como leitor), que impede que um se inteire totalmente do mais importante, o que causa a dádiva. E o que prendemos com esses tais encanadores perspicazes de dádiva, que as colocam entre anos e dedicam com bigodes para sentar sobre bíblias, é repatriar a nossa própria emoção em diáspora.
E por que escrever um poema, a não ser por um motivo profundo, de fácil escape? Resolver com erros o irresolvível fato. Mas os realizadores de formas não querem mais do que tradição. A dádiva, o espanto, eles só existem agora nas relações virtuais, namoro entre fantasmas. Somos capazes de formar mil grupos, mas não podemos mais tocar no que um pensa. E calha que, para isso, a forma é o mais eficaz disfarce. Nos ajuda a ocupar boas mesas e, quem sabe, dando alguma sorte, acordar a tão famosa crítica. Ao passo que – tradição por tradição – não existe nenhuma outra mais antiga do que a dor do Homem sobre a Terra, com um porém: a tradição da dor humana sobre a Terra não pode ser, nem jamais será, formalizada em castas de conhecimento formal. Em suma, um sujeito ambicioso pode jurar a si mesmo e aos outros – e até convencer muitos – que sofre como Gogol, que padece do Mal de Lautréamont, o que por si só já seria uma parvoíce, mas geralmente passa pelo crivo geral porque o próprio crítico, o próprio editor, em geral eles tomam um empréstimo, através da análise da forma, da “dor bem sucedida” dos que os antecederam. E com isso não há grandes complicações, a pessoa janta mais tranqüila e jamais sente frio no verão. Ah, mas como é fria no papel a dor alheia quando formalizada ao ponto da incompreensão!
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