MUITO MAIS QUE ISSO >> Fernanda Pinho
Diferentemente da criança que era e da adulta que sou, fui uma adolescente muito introspectiva e tranquila. Posso garantir que, ao menos naquela fase, nunca desapontei meus pais em nada. Mas houve um dia em que eu achei que era a pior filha do mundo. Eu estava na sexta série verde. Na minha escola tinha isso de as turmas terem nomes de cores e, ironicamente, foi uma cor que acabou comigo. Aquele vermelho agressivo manchando com meu boletim.
Na minha cabeça de menina de 13 anos, as piores coisas que podiam acontecer a uma garota era ser ignorada pelo menino da oitava série e perder média. E, quando eu abri aquele maldito boletim, percebi que as duas coisas estavam acontecendo comigo, embora o menino da oitava série tenha se tornado totalmente insignificante diante da minha escandalosa nota vermelha. Fiquei apavorada, minhas pernas bambas, como quem recebe uma notícia de morte. E de certa forma era. Aquele 17 em matemática (a média era 18) estava matando a minha imagem de boa aluna, cultivada com esmero desde os meus dois anos de idade.
Esmaguei o boletim dentro da mochila e voltei para casa, toda sinistra, maquinando como daria essa notícia para minha mãe. Rejeitei o almoço e a rodeei durante horas, como sempre faço quando quero contar algo que considero grave. Tentei iniciar o assunto várias vezes, sem sucesso. Até, claro, ela notar que tinha algo errado e perguntar o que era. Não tive coragem de dizer. De repente, fui acometida por uma mudez parcial que me impedia de falar as palavras “nota”, “vermelha”, “média”, “perdida” e “matemática”. Apenas lhe entreguei o boletim.
Ela pegou, abriu, olhou. Não esboçou nenhuma reação. Comentou sobre o fato de, mais uma vez, eu ter fechado o bimestre em história e me devolveu. “Será que minha mãe ficou daltônica?”, cheguei a cogitar rapidamente para, logo em seguida, me lembrar que daltonismo é raríssimo em mulher. Eu havia perdido média em matemática afinal, não em ciências.
Não teria jeito. Eu teria que FALAR sobre o assunto. “Mãe, você não viu?”. “Viu o quê?”. “Aquiiiilo”. “Fernanda, é impressão minha ou essa aflição toda é por causa dessa nota em matemática?”. “É”. Então ela sorriu e falou com sua espontaneidade característica: “Ah, me poupe. A vida é muito mais que isso”. “Hã?” – murmurei quase decepcionada por não ter levado um sermão. “Relaxa, Fernanda, vai ver televisão. Quando você for adulta, isso não terá feito a menor diferença na sua vida”.
E, óbvio, minha mãe tinha razão. No fim das contas, tudo se resume a analisar a dimensão do problema em relação à grandiosidade que é a sua vida inteira. “A vida é muito mais que isso” acabou virando um mantra que ainda trago comigo e repito sempre que alguma pequeneza aparece para me desviar dos meus reais objetivos. Chefe chato. Cliente irritante. Telefone que não para de tocar. Gente que não atende aos seus telefonemas. Cólica em dia de festa. Conta pra pagar. Fofoca. Escova progressiva que deu errado. Avenidas engarrafadas. Má vontade. Comida ruim. Unha encravada. Fila de banco. Despertador urrando às seis horas. Quilinhos a mais. Relaxa. A vida é muito mais que tudo isso.
Comentários
Sei que as palavras dele, sempre ecoaram na minha mente. Até porque, nunca fui "a melhor aluna".
Parabéns pela crônica, me fez migrar correndo para seu blog.
Juliana Bolzan.
Às vezes a gente faz muito barulho por nada, e sofre demais por antecipação (né, amiga?)
Mas a vida ensina, e eu ainda preciso aprender muito, mas estou no caminho...
E vc sempre me ajudando!
Beijos!!!