CRONICAMENTE DISTANTE >> Carla Dias >>

Começo essa crônica sem saber aonde ela vai me levar. Não há um assunto em pauta, uma inspiração, tema que fiquei ruminando, nos últimos dias. Não há um filme que assisti ou um livro que li, uma canção que escutei e que me fez pensar em dizê-la.

Desamparada pelas ideias, aqui estou, numa nudez desapropriada de pudores. Esvaziada, olho ao redor e vejo apenas objetos: calculadora, grampeador, papel, caneta, porta, cadeira, computador e os meus dedos teclando essas palavras, enquanto meu pensamento está completamente no momento, o que é raro para mim.

Não viajo em entrelinhas, não tenho taquicardia por pensar sobre os desejos que escondo até de mim. O tempo não me afoba, a temperatura está agradável, o mundo segue seu rumo sem a minha intervenção.

Tenho sede: já volto.

Voltei... Matei a sede sem precisar de poesia. Matei a sede com água como toda sede dever ser extinta. Bebi do copo, não da ausência da companhia. Engoli líquido, não o nó na garganta.

Aonde será que me levará essa crônica cronicamente distante dos meus cotidianos rompantes emocionais? Porque olhando de longe, pode-se até pensar que sou comedida, mas me observando de perto, olha, sou doida varrida com muito orgulho.

Uma doida varrida que nesse agora está lúcida de um jeito nada melodramático. Lúcida de lucidez indiferente. Então penso se devo repensar o pensamento. E o sentimento? Porque é apenas o telefone que toca, o fixo e o celular, ao mesmo tempo, e a campainha, e as pessoas dizendo assuntos que não me mantém atenta, mas apenas me distraem, enquanto o tempo passa.

Um café cairia bem...

Caiu... Fresco e quente, sem antagonismo.

E daí que o pensamento foge e vai aonde essa crônica nunca pretendeu chegar. Desarruma a casa das certezas, cutuca a impaciência, acordando a dita. Desflora a tranquilidade.

Hora de reescrever a minha identidade?

Termino essa crônica sem saber onde ela me trouxe. Vou ter de desfrutar da inquietude, revirar alguns conflitos, bebericar romance, benfeitorias, intensidade. Remexer delírios e, quem sabe, até a próxima crônica eu saiba onde estou e o que me cabe.

Imagem: Juja Kehl >> www.flickr.com/photos/juja_kehl

www.carladias.com

Comentários

albir disse…
Está na poesia, como diz Cecília, "porque o instante existe". E não perca tempo em saber "onde ela me trouxe". Apenas permaneça.
Carla, essa coube e você estava bem aqui. :)
Unknown disse…
Adoro textos escritos assim, despretensiosamente. Quando a gente não sabe onde vai dar, chegamos nos melhores lugares. Adorei!
Carla Dias disse…
Albir... E por existir, vivo morrendo de vontade de me esbaldar no instante.

Eduardo... Acho que te encontrei cabendo, enquanto lia seu comentário.

Fernanda... Meu lugar ficou melhor assim, sem querer.

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