TENSÃO DO RECIFE >> Leonardo Marona



"os viciados"

eles já não precisam mais de nós
nem mesmo no Harlem americano.
sedentos e pálidos caminhamos,
cheirando a caramelo, nós os que
se atiram cegos na primeira chance,
e se arriscam por trás de pilastras.
peço a gentileza de atravessarem
em silêncio, em reverência retirem
todos os seus chapéus e escarrem
no chão pela passagem meteórica
dos que suportam a terra nas costas.
não pensem que vieram de longe,
estão nos quartos, cheirando a mofo,
atraídos ainda pela prima vertigem.


"elegia do recife"

faça-me escrever em lágrimas,
recife, e limpe toda a incompreensão
da saudade forçada nas virilhas.

serei agora forte, como tuas ruas
semi-asfaltadas, os paralelepípedos
da tua dor, onde enfiei em sangue
a âncora do meu tesão, nos corais.


"rúbia"

você me
olha sem
querer
nos olhos
e já não sei
se tenho
olhos para
ver nos olhos
o que não
vejo mais.


"luana"

existem narizes que codificam a existência.
e não são só narizes, são olhares ávidos
em direções opostas, e além do nariz,
há também o cabelo, que não é um cabelo,
mas a Mata Atlântica, e aqui está a vontade
reprimida de se lhe fazer num grande coque,
olhar a nuca que anuncia graves presságios
e tombar na cama, como se fosse apenas
mais um nariz, e a pérola por dentro da boca
explicaria a poeira cósmica que justificaria
toda flor entre dentes, qualquer ato de amor.


"maracaípe"

tem coisas que os olhos vêem,
o coração não pode mais sentir.

que tristeza é ter
a felicidade nos braços
e a síndrome de tempo algum.

existem momentos
em que não existimos,
somos o parado da existência.

e o tempo é só um sem ruído
que regurgita nas entranhas
do esquecimento.


"recife antigo"

sou marinheiro encalhado,
cheguei aqui aos pés da besta.

há anos querendo
voltar para Santos.

sigla comum é L.P.P.:
loira do pentelho preto.

aqui me transformei
num autêntico boquinha de cais.

aqui, enfim, reparei
que só se pode amar
o que for passível de
ser destruído em pó.



http://www.omarona.blogspot.com/

Comentários

Eita, que a viagem foi boa! :)
Anônimo disse…
"aqui me transformei
num autêntico boquinha de cais".

Carlos Pena filho deve estar tendo convulsões por alguns copos de chopes por isso. Logo ele que "profetizava" tanto seu querido Recife e seu doce tom acolhedor, por seus poetas, boêmios, prostitutas, marginais e até donzelas... mas jamais por qualquer um que chegasse se dizendo "um autêntico boquinha de cais".
leonardo marona disse…
querido anônimo, desculpe se ofendo o saudoso pena filho, mas eu apenas ouvi essa expressão na rua e achei muito engraçada, realmente algo que um marinheiro bêbado poderia dizer... mas, de fato, quem sou eu... aliás, quem é você? por que os de opiniões contundentes são sempre anônimos? de qualquer forma um grande abraço e, mais uma vez, desculpe macular o aclamada história da cidade que é propriedade de Carlos Pena Filho.
Carla S.M. disse…
Lembrei-me da evocação do recife e senti saudade da casa do totonho da infancia de M. bandeira.
Quanto ao "boquinha de cais", já dizia o poeta:
"Foi há muito tempo...
A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros
Vinha da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo"
Anônimo disse…
Own!! Desculpe se o ofendi, preciso confessar que a culpa foi dos meus olhos cansados. Eu enxerguei "boquete" no lugar de "boquinha" de cais! Sou anônima por uma simples questão de "semi-analfabetismo" digital. Sou péssima em lidar com essas questões de blogs, links, faces, spams, Html, Googles, Blogger, URL, OpenID, entre outras tantas barreiras que encontrei para conseguir postar essa mensagem. Mas não seja por isso, me chamo simplesmente Maria, e da Silva. Do Recife é claro e é provável que não tenha esbarrado com você durante sua passagem por aqui. Ganhei de presente de aniversário um livro seu porque gosto de poesias, só isso. Você não maculou a imagem do Recife, não tem poder para isso, ninguém tem. Parabéns pelo livro. As poesias que estão nele sim, essas são imaculadas. Parabéns pelo livro e desculpe a falha nos meus olhos, vou tratar de procurar um oftalmo urgentemente. Até.

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