PROFISSÃO PRA QUANDO EU CRESCER
>> Eduardo Loureiro Jr.

"Eu quero ter um milhão de amigos
e bem mais forte poder cantar."
(Roberto e Erasmo)

Sei que já passei da idade em que me perguntavam "o que é que você vai ser quando crescer?". Agora já sou crescido — quem me acreditaria se eu dissesse que não? —, e sou apenas eu a perguntar-me o que vou ser quando crescer.

Sim, ainda me seduz a resposta da infância: Pipoqueiro. Eu queria ser pipoqueiro. Vejam que maravilha. Não, não se tratava de um sonho. Me parecia economicamente viável. Um pacote comprado no mercantil (coisa de cearense) era tão baratinho, e os sacos vendidos pelos pipoqueiros eram tão caros (e olhe que nem era eu que pagava), que a margem de lucro obtida deveria ser altíssima. Eu pensava em fazer fortuna como pipoqueiro. Investiria o lucro no próprio negócio e veria o dinheiro se expandindo, saltando feito pipoca. O negócio não foi pra frente porque eu comia MUITA pipoca. O lucro acabou se acumulando na minha barriga, em vez de em meu bolso, e me transformou num adolescente obeso. Hoje talvez desse certo: tenho mais disciplina alimentar, devoro uma única bacia de pipoca a cada mês e apenas de vez em quando compro uma caixa no cinema. Aquilo sim é que é margem de lucro. Com o dinheiro de uma única pipoca de cinema dá pra comprar dois ou três pacotes no supermercado, o que renderia várias caixas de pipoca a serem novamente vendidas por um preço exorbitante.

Mas mudei de sonho e de resposta. E se tenho pra mim que não sou crescido, que talvez esteja mesmo é descrescendo, é porque a resposta atual é ainda mais estranha do que a antiga. Há uns três anos, enquanto colocava no carro as compras recém-feitas num supermercado de Teresina, me ocorreu qual seria a profissão certa para mim. Sabe o Lampadinha do Professor Pardal? Pois ele se acendeu pra mim. Nunca tive um insight tão certo sobre mim mesmo. A verdade ainda não havia se mostrado tão clara pra mim antes daquele dia. Pico do Himalaia, mosteiro no Tibet? Que nada! Querem a iluminação? Vão ao Carvalho, no Riverside Shopping, em Teresina.

Ali eu soube. Ali, a quarenta graus de temperatura, entre o ar-condicionado do supermercado e o ar-condicionado do carro, eu tive a revelação da minha vida. E, se não a segui, a culpa não é do destino ou de Deus. Faltou-me coragem simplesmente. Achei economicamente inviável. Um total desvario. Talvez uma alucinação decorrente do choque térmico entre o frio e o calor.

Se demoro a dizer do que se trata, não tem nada a ver com suspense, com manter a atenção do leitor omitindo-lhe um fato que ele deseja obter porque esse fato foi supervalorizado artificialmente no início do texto. Não, não é nenhum artifício de escritor. É pura vergonha. É imaginar você, aí em casa ou, pior, no trabalho, soltando uma grande gargalhada, chamando a atenção de quem está próximo. "Que risada é essa, criatura?", vão lhe perguntar. E você dirá: "Vem ver isso aqui. Vê o que esse maluco, que já deve ter uns quarenta anos, quer ser quando crescer." E a pessoa virá, você lerá em voz alta e, juntos, darão nova gargalhada, que atrairá ainda mais gente e subsequentes risadas. E quando uns tiverem que abrir espaço para outros chegarem, um ou outro gravará de memória o endereço e enviará o link por e-mail para outras tantas pessoas que reforçarão a corrente de gargalhadas até que o mundo inteiro — ou pelo menos toda a comunidade de língua portuguesa — estará rindo de mim.

Se é assim, que seja logo, feito um esparadrapo que é melhor ser arrancado de uma vez para que a dor seja rápida, embora aguda:

— Quando eu crescer, quero ser amigo. Isso mesmo: amigo. Amigo profissional. Oito horas por dia dedicadas a conversar, passear, trocar e-mails, inventar projetos... Sou um bom amigo. Passo, com as pessoas, menos tempo do que elas gostariam que eu passasse. Ninguém nunca me disse "lá vem tu de novo", sempre me dizem "pensei que tinha esquecido de mim" e "que saudade". E se não me dedico completamente a meus amigos é apenas porque tenho que ganhar o pão de cada dia com o suor do meu rosto. E me angustia saber que nada do que eu faça é mais importante do que simplesmente ouvir meus amigos, lhes falar, e escrever, e fazer música, e beijar, e abraçar

Pronto, é isso. Podem rir. Gargalhem. Sei que é ridículo. Sei que não dá dinheiro, pelo contrário, gasta-se: com telefone, com internet, com transporte, com sorvete, com corda de violão. Mas é o que eu quero ser quando crescer.

Enquanto isso, continuo sendo explorado, com vontade de fazer um apelo às autoridades e à imprensa por estar perdendo minha não-crescida infância com tanto trabalho inútil. Deve ter um 0800 qualquer que a gente ligue pra delatar casos de exploração do trabalho infantil. Mas de que adianta? Quem me acreditaria? Melhor ficar por aqui, sendo amigo por hobby, nas horas vagas.

Comentários

Ana Campanha disse…
sensacional! Eu bem preciso de um amigo profissional! hehe! um abraço!
Karine Rosa disse…
Nossa, adorei.
Eu iria amar um amigo profissional.

No fim, acho que a maioria de nós somos amigos só nas horas vagas. Quando deveria ser tão ao contrário.
Também queroooo...hehe! Amei!
Meninas, vocês me fizeram sorrir. :) Grato pela leveza.
Kika disse…
Adorei o texto!
Uma vez, conheci uma moça, que se dizia "conversadora profissional". E ela era mesmo. Ia nas emrpesas conversar e ajudar as pessoas a conversarem.
Senti uma inveja pontuda e fina.
Que delícia, viver papeando, não?
Um beijo!
Kika
Anônimo disse…
hummm..que delicia de texto.
Pois eu exerço muito... to sempre lembrando e fazendo gratas surpresas.
é isso que faz a diferença na vida da gente...bons amigos, mesmo que ligeiramente ausentes.

bjos

klaudya
Kika, se já há uma conversadora profissional, fico mais animado. :)

Klaudya, felizes os seus amigos-clientes. :)
Anônimo disse…
Eduardo,

Tenho lido, com delícia e prazer, suas crônicas. É bom ver gente boa dedicada às crônicas. Parabéns, mesmo.

Abraços,

Felipe Peixoto (ah, rapaz, eu to no outro lado da linha, estou precisando de amigos, até escrevi uma crônica vagabunda sobre isso. Rs...).
Grato, Felipe! E crônica vagabunda é o melhor cartão de ingresso em qualquer amizade. :)
Mônica, adorei seu silábico adorar. :)
Carla Dias disse…
Eduardo... Nem sei como seriam nossos dias se você, quando crescesse, se tornasse amigo profissional. Teríamos de nos unir a você, porque se ao ser amigo por hobby você já é dos melhores, o que dirá sendo amigo profissional, com SAC 24 horas por dia.
Cinthia disse…
Que lindeza de texto!!

Tocou minha alma e fez emocionado o coração.

Escreva sempre e mais.

Cinthia
Grato, Carla e Cinthia.
Vocês me derretem. :)

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