ALVORADA >> Eduardo Loureiro Jr.

Quando perguntaram se ela cantava, ela respondeu:

-- Não canto, só encanto.

Gosto de acreditar que aquela foi a primeira vez que ela disse aquilo, e que o havia inventado naquele exato momento. Mas seria genial mesmo se ela já tivesse dito ou preparado antes, porque o que há de verdadeiramente genial nessa frase é que ela é verdadeira.

Ela encanta. Como me encantou no primeiro dia em que a vi de perto. Eu a ajudei a levantar-se e, durante dois segundos, olhamo-nos fixamente nos olhos. Nunca fez tanto sentido para mim a expressão "amor à primeira vista", porque era uma vista próxima e simultânea. Um amor à primeira vista correspondido, um evento raro.

Seu nome, em italiano, quer dizer "a primeira luz do dia", o "princípio". E foi assim para mim: a primeira luz do dia após muito tempo de sono e de sonhos.

Eu tenho uma tendência a sonhar muito com mulheres. Sonhar dormindo e, principalmente, sonhar acordado. Olhar uma mulher que nunca vi antes e começar a sonhá-la, e começar a sonhar uma vida com ela. Sonhá-la plena de qualidades, sem defeitos. Uma mulher perfeita, uma deusa. Sonhar com ela uma vida inteira a dois, uma vida paradisíaca, feliz para sempre.

Mas, pelo menos no meu caso, o sonho nunca sobreviveu à realidade. Alguns de meus amores platônicos até que têm qualquer coisa de infinito, mas todos os que tentaram se tornar reais ganharam um ar trágico ou amargo. Meus amores que já nasceram reais, sem influência de sonho, sempre foram mais felizes.

Com o tempo, fui aprendendo que relacionar-se com o outro é, antes de tudo, relacionar-se consigo mesmo. Era a mim mesmo que eu sonhava quando pensava estar sonhando uma mulher. E quando descobri isso, não apenas com o pensamento, mas também com o sentimento, foi que pude ver a primeira luz do dia, um novo princípio.

Meu amor não pode ser mais de sonho, ou predominantemente de sonho. Tampouco pode ser um amor do outro, ou predominantemente do outro. Meu amor é amor real de mim mesmo. E se é à "primeira luz do dia" que amo, é porque me sinto, eu mesmo, essa luz e esse dia. Não amo a ninguém que não a mim mesmo. A diferença é que já não sou mais do mesmo tamanho.

Comentários

Carla S.M. disse…
Que linda descoberta!
Cristiane disse…
Eduardo, este seu texto é daquelas da gente ler no café da manhã, com um pedaço generoso de bolo de chocolate e uma xícara de café quente e preto. Leve e gostoso deste tanto.

Para mim, também, o amor que nasceu sem influência de sonhos e platonices é muito, muito mais feliz! Este amor é o meu cobertor em tempos de frio, minha água fresca nos dias de calor abrasador. Ele é a calmaria e a paz das minhas alegrias.

Abraços
Cristiane, seu comentário me deixou feliz como sempre me deixa um bolo de chocolate - com cobertura, por favor. :)

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