O LONGE LOGO ALI >> Carla Dias


Costumava subir em árvores, aventurar-se no perigo. Tudo se resumia a “vamos ver quem consegue?”. Apostar na capacidade se tornou a maneira de construir sua história. Aperfeiçoou o talento, das árvores chegou aos imponentes prédios, trafegou pelas esquinas mais badaladas, passou a ser conhecido como aquele que havia dado certo ao lidar com o roteiro destrambelhado da vida.

“Sucesso” era termo que aparecia o tempo todo fazendo companhia ao seu nome.

Subia em árvores para ver além, gostava desse desempecilho ao olhar. Quanto mais alto, melhor. Não adiantava prédio de andares em excesso, de modernidade no faz-de-conta de tapar horizonte ao oferecer exclusividade. Era a textura dos troncos, o perfume da madeira, das folhas, das flores, dos frutos. O pousar os pés descalços na terra.

Também costumava apostar alto, mais do que seus colegas de profissão, que não verbalizavam, mas tinham medo dos riscos que ele corria para chegar onde nem todos se atreviam sequer considerar como destino.  

Outra alegria de subir em árvores: o vento tocava diferente, como se viesse de uma corrida e estacionasse na pele, e, por um instante, era possível chamá-lo “felicidade”. 

O pai mora no sofá da sala. Acha o móvel o melhor lugar do mundo. Foi o primeiro a se sentar nele. Primeiro e único. Assiste maratona de séries, lê o jornal no papel, toma café discutindo futebol consigo mesmo. A mãe passa horas criando flores artificiais para enfeitar os corredores da casa, apesar de um jardim imenso se esparrar nos fundos do imóvel. 

Ele continua pendurado em árvores, olhando o mundo de longe, vivendo da ideia de que um dia chegará lá.

carladias.com.br

Comentários

Jander Minesso disse…
Seja lá onde lá for?
Nadia Coldebella disse…
Seja lá onde for. Parafraseando Fernão Capelo Gaivota, longe é um lugar que não existe

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