SOU SOBREVIVENTE >> Clara Braga

Sou uma das várias crianças que sobreviveram à infância nos anos 90. E nem estou falando do fato de ter crescido em uma época em que não precisávamos usar cinto de segurança e tomávamos Biotônico Fontoura como se fosse água. 

Digo que somos sobreviventes pois crescemos ouvindo que "pau que nasce torto, nunca se endireita" e que "Maria foi para uma tal de suruba e voltou para casa toda arregaçada". Cantávamos isso a plenos pulmões, sem termos absolutamente nenhuma noção do que estávamos falando, e nossos pais não viam problema algum, pelo contrário, compravam os CD´s e, alguns mais ousados, compravam também o figurino nada apropriado do É o Tchan, o que fez com que muitas meninas da minha idade saíssem andando por aí com metade da bunda de fora sem que isso se tornasse um motivo para acionar o conselho tutelar. 

Também nessa época, um dos produtos mais visados pelas crianças era a sandália e a máscara da Tiazinha, que aparecia semi nua em horário nobre na televisão. Mas se você acha que a Tiazinha e a Feiticeira eram ruins, não está lembrando da banheira do Gugu e outro quadro também do programa do Gugu no qual as mulheres usavam uma blusa branca e, por algum motivo que eu não vou lembrar, as pessoas molhavam a blusa dessas mulheres até que seus seios estivessem à mostra.

E não adianta dizer que o programa do Gugu nitidamente não era para criança, pois uma das atrações que estavam lá quase todo domingo era Sandy e Jr, ou seja, o programa tinha sim as crianças como público alvo, a sociedade é que não tinha muita noção do significado de classificação indicativa.

Outra coisa que os adultos não se incomodavam de fazer perto das crianças era beber e fumar. Aliás, muitas crianças chegaram a comprar cerveja ou um maço de cigarro na padaria para seus pais sem que ninguém questionasse o fato de uma criança estar fazendo esse tipo de compra.

Mas uma coisa eu devo admitir, o fato dos pais fumarem e não terem a menor preocupação em serem saudáveis e fitness tinha uma vantagem: na hora de cantar parabéns nas festinhas de aniversário infantil, nunca faltava um isqueiro. 

Mês passado, fomos comemorar o aniversário de 6 anos do meu filho e, após alguns anos sem comemorações devido a pandemia, fizemos a festa que tínhamos prometido, com todos os amigos dele, brinquedo inflável, muita porcaria para comer e tema do Ghostbusters.

Mas dos anos 80 só tinha o tema mesmo, na hora de cantar parabéns, não havia uma alma no recinto com um isqueiro para acender a vela. Fósforo? Eu te desafio a mostrar um para uma criança de 6 anos e pedir que ela responda o que é aquele objeto. E por que não acender direto no fogão? Porque hoje em dia os fogões dos salões de festa são todos no estilo cooktop elétrico, ou seja, fogo voltou aparentemente a ser algo referente aos homens das cavernas, e se você precisar acender algo, melhor aprender a fazer fogo batendo pedras.

Após alguns minutos tentando descobrir como faríamos para acender a vela, com as crianças aos berros de "COMEÇA, QUE DEMORA É ESSA?", conseguimos um isqueiro com o porteiro de um prédio ao lado do que estávamos e, enfim, cantamos os parabéns. Sinto que devo minha integridade física à esse porteiro que, certamente, foi pai de criança nos anos 80/90, ou então estaria fumando vapes.


Comentários

Jander Minesso disse…
Acho que nem eu reconheço mais um fósforo hoje em dia.
Nadia Coldebella disse…
Não dá pra negar que essa falta de senso dos anos 90 ajudou a naturalizar um monte de bizarrice hj em dia. E muitos sobreviventes estão por aí, feito zumbis, cheio de danos, reproduzindo nos filhos os danos que viveram, achando q tá tudo certo. Por essas e outras, sempre mantenho uma caixa de fósforo em casa. Vai saber quando é hora de colocar fogo?
Zoraya Cesar disse…
Fósforo faz parte do kit sobrevivência. E todas essas crianças dos anos 90 cresceram, se multiplicaram e a maioria virou boa gente. Cada época com suas excrescências. Chato mesmo é a sexualizaçao infantil q tantos desses programas faziam e a gente nem percebia. De resto, ai, desce o tchan, desce o tchan... eca kkkk
e PARABÉNS AO NOSSO HOMEM-ARANHA PREFERIDO!!!
Albir disse…
Também sobrevivi aos 90 e a outras décadas. Só não garanto que sem danos.

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