CASSOULET >> SERGIO GEIA

 


Certa vez Rubem Braga embarcou em uma buchada de carneiro. Ainda que tenha sentido a morte com requintes de técnica do pobre animal, não pôde deixar de comer e sentir prazer com a iguaria bem-preparada (a cachacinha e as pontuações do parágrafo a seguir, presentes na crônica Buchada de carneiro, são um achado braguiano): 
 
Comemos, comemos, comemos; e cada vírgula quer dizer pelo menos uma cachacinha, e o ponto e vírgula pelo menos duas. O ponto final foi um grande sono na rede.  
 
Pois no último sábado o Geia embarcou em um cassoulet. Comeu, comeu, comeu; e as vírgulas e o ponto e vírgula neste caso não querem dizer nada, ou dizem apenas o que devem dizer, são meros símbolos que dão coerência e coesão ao texto. 
 
O convite veio de Jorginho Castro, para acompanhar seu retorno aos palcos, com a Band’Lokos, no Estação Trem Azul. Bar cheio, pingos de chuva caindo do céu, calor. Ao arrumar um banco para instalar nossos copos, apresentou-se o professor Régis de Toledo, da Unitau, suas palavras anteciparam o som, foram música para os nossos ouvidos: 
 
— Boa tarde, meu nome é Régis, é meu aniversário e estou comemorando com amigos. Podem se servir à vontade daquela mesa. Tem cassoulet, pernil, vinagrete e pão. 
 
O cassoulet, comida típica do sul da França, com sabor muito próximo à nossa feijoada, tinha feijão branco, linguiça e bacon, entre outros, tinha o tempero ajustado e uma visão que deixava o apetite agitado. 
 
Uma molhadela de pão no caldo do cassoulet, uma colher com feijão e linguiça, uma cachacinha pra rebater; depois, um breve intervalo para cantar Baby, de Caetano, ao som da Band’Lokos, para em seguida repetir o processo, a molhadela de pão no caldo do cassoulet, a colher com feijão e linguiça, a cachacinha pra rebater. 
 
Comemos, comemos, comemos; e nem me pergunte agora sobre vírgulas e pontos, que sou capaz de me confundir. Digo que são esses os momentos mais valiosos do cotidiano; neles, a vida, com todas as injustiças e aflições, dores e tristezas, parece sorrir. 
 
 
 
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Comentários

Jander Minesso disse…
Pãozinho, feijão, cachaça. Pãozinho, feijão, cachaça. A prática leva à perfeição. E à parte disso, seu paralelo com o texto do Rubem Braga foi maravilhoso!
sergio geia disse…

Buchada de carneiro é uma delícia, a crônica eu quero dizer. Prefiro cassoulet . Grato Jander e Pollyana.
Soraya Jordão disse…
Senti o gosto da vida faceira e sorridente na sua crônica. Delícia!
Zoraya Cesar disse…
Sempre disse e torno a repetir: vc é um legítimo herdeiro da prosa das pequeninas (grandes) coisas do cotidiano da qual Rubem Braga era o mestre. Taí mais uma prova!
Que delícia de crônica! Deu vontade de comer cassoulet e beber uma cachacinha! Concordo com você, o que seria de nós sem estes pequenos prazeres?
Albir disse…
Muito boa a sua crônica, Sérgio!
Braga poderia tê-la escrito!
Nadia Coldebella disse…
O mais legal da história é perceber que estar ao redor de uma mesa também é uma forma de expressar afeto pelos amigos! Crônica apetitosa!


sergio geia disse…
Soraya - que delícia esse seu sentir; são essas as crônicas de que mais gosto, faceiras e sorridentes.

Zoraya - você sabe: Braga é minha maior referência ao lado de Caio F.

Alfonsina- Amanda, querida, e que prazer.

Albir - Braga é o maior.

Nadia - é verdade, Nadia, a mesa com amigos faz toda a diferença.

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