UMA CAÇADA ESPECIAL DO OUTRO LADO DA PORTA - 2a parte > > Zoraya Cesar



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O Sr. Voin estava confuso. O que era aquilo? Uma mulher-pássaro dentro de uma gaiola? Seria uma ilusão? Um truque de robótica? Ela parecia tão viva e real!

No entanto, em suas veias o sangue que corria era frio, como o de todo tycoon inescrupuloso.  Rapidamente recuperou o autocontrole e se entregou ao inexplorado. 

Nas paredes verdes da nova sala, havia diversas armas e um tapete de pele de algum animal exótico que o Sr. Voin não conseguiu reconhecer. Um bar, charutos no balcão e algumas poltronas de couro espalhadas. Sentiu-se, realmente, em um clube exclusivo. Restava saber quão exclusivo. 


Sentaram-se. O Sr. Voin notou que os sapatos de Armin, o apresentador, eram, diga-se, peculiares, cobertos por uma espécie de penugem, bastante parecida com o couro do irreconhecível animal pendurado na parede. Beberam Courvoisier às baforadas de Cohiba. O Sr. Voin apreciou o cognac e o charuto, pacientemente esperando a grande revelação. Quando terminaram, Armin começou. 

O avô o levava para caçar desde criança e, quando viu que o neto tinha jeito e gosto para matar, resolveu revelar-lhe o segredo. O galpão levava a um mundo alternativo, onde viviam seres totalmente desconhecidos pela ciência, um mundo que foi dominado e aterrorizado pelo avô e seu seleto grupo de amigos, que formaram uma sociedade secreta de caça. 

O apresentador apontou para os quadros da parede. Não era mera impressão que estivessem se mexendo, era real. Cobras com cabeça de cavalo; raposas com duas cabeças, uma de cada lado do corpo; uma criatura que parecia ter as vísceras viradas pelo avesso. Um grupo de seres sem cabeça e rabo de peixe mergulhava despreocupadamente em um lago de águas negras. O Sr. Voin deu um leve sorriso. Pareciam tão bobos! 

- Você acha graça, mas eles são bastante letais. Podem ficar interminavelmente debaixo d’água, à espreita de uma presa, a qual cortam com suas escamas tão facilmente quanto uma faca na manteiga mole. Uma vez capturados, temos de descamá-los, para que fiquem inofensivos. Então os jogamos de volta ao lago, para que seus companheiros canibais terminem o serviço – o apresentador riu gostosamente.

- Caçar rinocerontes e leões é coisa do passado. Perigosos mesmo são os Nimridin – E apontou para um quadro, dentro do qual olhava, ameaçadora, uma criatura parte bode, parte homem, com asas e uma lança nas mãos. – São ferozes como um carcaju e solertes como Ulisses. Já mataram um dos nossos, mas nós castigamos a deusa deles, e agora estão mais cautelosos. Desde então nunca mais nos machucaram, mas sempre tentam impedir nossa caçada. É divertido. 

Que deusa, perguntou o Sr. Voin.

- Aquela mulherzinha que atendeu a porta. Nós a capturamos e agora é nossa serviçal. Se ela não nos obedece, nós matamos uma das criaturas capturadas na frente dela. Se algum deles nos machuca, nós a levamos até o portal e a fazemos gritar. 

Um ser humano normal ficaria nauseado. Mas não o Sr. Voin. Caçar e torturar seres com inteligência, emoções e sentimentos similares aos humanos não fazia a mínima diferença para ele. 

- Agora, o animal mais precioso é o que você viu na outra sala. 

A mulher-pássaro. 

- Essas lindezas são muito inteligentes. Há que ter estratégia para caçá-las. A única maneira de impedir que fujam é quebrando suas asas. Elas são preciosas porque seu canto pode curar qualquer ferimento que tenhamos do lado de lá. Basta ameaçar machucar essa deusinha mequetrefe que ela canta que é uma maravilha. – Armin não parava de rir.

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O Sr. Voin suava, impaciente. Queria começar naquele momento mesmo, incontinenti.  Cauteloso, perguntou como faziam para entrar e sair de um mundo a outro, e como impedir que as criaturas invadissem o lado de cá do portal. 

Simples, respondeu fatuamente o apresentador. Ao arrastarmos o quadro principal (no qual estava representado um dos seres em estado agonizante) para o lado, o portal abre. Quando atravessamos, ele fecha automaticamente. Para voltarmos, basta usarmos esse apito aqui. E deu um para o Sr. Voin. A deusinha já está acorrentada ao pé da mesa, não tem como ela abrir ou trancar o portal por conta própria. 

O Sr. Voin ficou satisfeito. Parecia seguro o suficiente.  De qualquer maneira, ia enlouquecer se não começassem logo. Sentia-se plenamente capaz de matar um fauno alado. Pois se até búfalos e leões já matara! Na certa o apresentador de TV estava exagerando a astúcia das tais criaturas apenas para valorizar o entretenimento. Como se precisasse!

Enquanto Armim fazia os preparativos, o Sr. Voin voltou à sala principal, olhar de perto a mulher-pássaro. Ela parecia dormitar no fundo da gaiola. O Sr. Voin acendeu um cigarro e aproximou o rosto. Num movimento abrupto e rápido, a mulher-pássaro avançou, feroz. Ele se assustou, derrubou a gaiola e o isqueiro e voltou para a sala do portal, um tanto avexado. Passou a mão no rosto. Estava dolorido, mas não havia sinal de corte ou sangue. Ele sorriu. Que se danasse aquela desgraçadinha inofensiva. 

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Solenemente, Armin deslizou o quadro. O Sr. Voin se viu, repentinamente, num campo violáceo que se estendia a perder de vista no horizonte amarelado. A engrenagem atrás deles fez um ‘click’ que, a seus ouvidos impressionados com toda aquela surrealidade, pareceu macabro e premonitório. Segurou o arpão com força e deu o primeiro passo. 

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A 3a e última parte: dia 27 de outubro. Última parte, prometo.




Comentários

branco disse…
Hummmm...iniciando a a ação enquanto finaliza o cenário. Ótimo, melhor até que ótimo. Aguardemos a explosão!
Marcio disse…
Se esse verme repugnante fosse mesmo um caçador com sentidos apurados, já teria percebido o cheiro de nêmesis no ar.
Ninguém avisou ao Sr. Voin que ele é (era?) um personagem criado por Zoraya "Ladykiller" César?
Érica disse…
Tá na cara que o Voin vai dançar.
E ai de você, Zoraya, se não der um fim moralista pra esses mequetrefes. Tanto o vovozin quanto o SS... Kkk
Anônimo disse…
Pelo visto mais uma mini serie. E pelo visto também, esse Sr. Voin vai ser a caça !
Jander Minesso disse…
Não vou dizer mais uma vez que me lembrou Neil Gaiman pra você não dizer que eu sou repetitivo. À parte disso, insisto que você tem uma habilidade enorme pra construir tensão na cena, Zoraya.
Albir disse…
"Cauteloso, perguntou como faziam pra entrar e sair de um mundo a outro..."
Para mim é fácil entrar, só não consigo sair, e fico com a sensação de que serei a próxima caça!
Se não fosse o vício, nunca mais eu lia.
Adoro entrar nos universos que você cria Lady Zô! Esta série tem um quê de Bacurau encantado! Aguardo ansiosa uma rebelião dos seres do outro mundo e a morte de todos os malvados do lado de cá!!
Zoraya Cesar disse…
branco - isso, aguardemos a explosão. e otras cositas más... muito más...

Márcio - pois é. Arrogante como é, provavelmente o Sr. Voin nao prestaria atenção ao aviso. "Cheiro de nêmesis no ar" foi sensacional!

Erica - eu nao sou responsável por nada! Apenas conto a história. O destino do Sr. Voin até pode estar traçado, mas eu só replico hehehe. Pode ser q dessa vez o malvado escape, como saber?

Jander - pode repetir quantas vezes quiser. Só me aquece o coração. E mil obrigadas por falar das cenas criadas. Ainda rio com o comentário q vc fez no capítulo um kkkkkkk

Anônimo - sim, mais uma série, mas o que posso fazer? a história é longa. Se ele vai virar caça, logo saberemos. Como disse pra Erica, nem sempre o mau se dá mal.

Albir - Dom Albir, uma honra tê-lo aqui, apavorado, mas fiel! Agradeço vc ultrapassar seus temores para cair aqui.

Alfonsina - ahhh, obrigada! Mas nao espere finais redentores. Quem sabe o que poderá acontecer?

A todos, muito obrigada!
Nadia Coldebella disse…
Também aposto num Sr Voin (e amiguinhos) caçado. E arrisco numa mulher pássaro caçadora. Me arrisco mais em esperar o novo capítulo...

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