SORTE NO JOGO, NEM TANTO NO AMOR- 2a parte – Uma aventura do Detetive sem nome >> Zoraya Cesar
Depois de algumas semanas, concluí que o vazamento não vinha dos empregados, mas, sim, de alguém bem próximo ao meu contratante (ele não acreditou. Nunca acreditam. Entendo. Também sou sentimental). Eu tinha de solucionar logo o caso, tenho um histórico impecável a zelar. Mais uma quebra de sigilo e os acionistas fugiriam da empresa. Não vou cansá-los com os detalhes das minhas investigações, voltemos ao meu envolvimento com Sabrina, muito mais interessante.
Tenho um dom especial para atrair encrenca. Sempre numa forma feminina cheia de curvas. Eu sabia que envolver-me com Sabrina não seria, absolutamente, prudente. Mas me envolvi assim mesmo. Todos temos nossas carências, e eu sou humano, p*rr@. Engraçada, inteligente, boa ouvinte. E melhor ainda de cama. Jantar com ela depois de um dia estafante era como relaxar num oásis. Vivia da renda que ganhara como escort girl de luxúria, digo, de luxo. Mas eu nunca fui moralista.
Quase três meses de trabalho para descobrir e provar de onde vinha o vazamento. Contei ao meu contratante; mas nenhum dos dois ficou feliz. Acabrunhado, quase deprimido, resolvi passar no bar antes de ir para casa. Precisava pensar. Porque eu chegara à solução, mas ainda faltava uma coisa a acertar.
Bebi um bourbon e tomei uma decisão. Saí para a noite fria, ameaçando chuva. Caminhei lentamente em direção à esquina. Os dois rapazes que vi, antes de entrar no bar, ainda estavam ali.
Todo jovem é impaciente. Não sabe preparar uma armadilha decente. Não pensa que, no frio, ao relento, os reflexos ficam mais lentos. Não conhecem o adversário. Bem, eu não sou jovem. Sou muito, muito experiente. Fugir seria inútil, melhor fazer com que saíssem da toca. Intuí que pretendiam forjar uma encenação de briga entre bêbados. Não me enganei.
Minha indispensável Ka-Bar TDI Hell Fire. Não ando sem ela. Por que uso a Ka-Bar? Sou um tradicionalista. |
Um deles esbarrou em mim. Pedi desculpas. Ele, como esperado, me empurrou, xingando. Fingindo perder o equilíbrio, joguei as costas para trás e chutei violentamente suas partes moles (o saco, não o cérebro dele). O outro me deu uma chave de braço. Escapuli antes de ele quebrar meu cotovelo e dei-lhe um golpe que abriu seu nariz como uma flor, vermelha e rútila. Tava na hora de dar um fim àquilo. Esses rapazes são meio burros, mas bastante fortes. Não importa quão preparado esteja você em relação ao oponente, o resultado de uma luta nunca, nunca mesmo, é previsível. Eles se recuperaram num instante (jovens!) mas eu já tinha puxado minha faca. Com três golpes cortei os tendões da perna de um, lacerei os ligamentos do braço de outro, perfurei a mão de um deles. Tudo muito rápido, como deve ser, como um profissional sabe fazer. Luta é estratégia. Estratégia só pode ser usada por gente inteligente. O pessoal tá muito burro.
Não os matei, como poderia. Não os matei porque não sou assassino, só mato por precisão, não por ocasião. E porque a tosquice deles deixou claro que sua incumbência era me dar uma surra, não me matar.
Nem me dei ao trabalho de perguntar o motivo. Já sabia a resposta.
Liguei para minha agência, pedi que limpassem aquela sujeira.
Agora, além de deprimido, estava abalado. Refregas, violência física, são coisas para jovens arrogantes. Deixei de gostar disso logo nos primeiros anos de profissão. Aliás, homens e mulheres (são muitas, vocês não fazem ideia) longevos nesse métier, como eu, desprezamos lutas corporais. Embora sejamos bons de combate, por questão de sobrevivência. Afinal, nosso melhor amigo é um inimigo morto.
Tudo o que eu queria era um banho quente e dormir. No entanto, teria de resolver uma última questão. Entrei em casa sem hesitar.
Sabrina, mais linda que nunca, de pé no meio da sala, apontava para meu peito a arma que costumo esconder debaixo da mesa.
- Onde estão – falou calmamente – as provas que tem contra mim? Pensei que dormindo com você eu acompanharia seus passos, mas você foi mais esperto. – Ela puxou o cão da arma – Se não me disser tudinho agora, será um esperto muito morto. – Sorriu. E eu tive certeza que ela atiraria.
Sabrina atirou em mim sem pestanejar. Não me importei, ela estava desesperada. E eu, apaixonado. |
Aquilo doeu. Saber que só dormiram com você por interesse é uma coisa. Mas ouvir isso assim, dessa maneira crua...
(Deixem-me contar o que ocorrera: a esposa de meu empregador, tendo acesso a algumas informações privilegiadas, passava-as para Sabrina. Sua amante. Contratada da empresa rival. Comecei a desconfiar quando ela se aproximou de mim. Ninguém que frequente aquele bar é inocente. Gostaria de dizer ‘qual foi a minha surpresa’, mas não posso. Depois de anos nesse trabalho, nada mais me surpreende. A não ser minha capacidade de apaixonar-me pela mulher errada).
- Aqueles imbecis... Agora meu tempo está se esgotando, e minha paciência também. Onde estão as provas?
O plano era eu ser espancado e largado na rua, enquanto ela vasculhava meu apartamento em busca de algo que pudesse incriminá-la. Provas, não encontrou. Só minha arma.
- Não há nada. Tudo o que descobri já ...
Ela atirou. Bem no meu coração.
O som do tiro seco encheu a sala. Dizem que seguro morreu de velho, mas o desconfiado ainda vive. Esse o meu caso. Não confio em ninguém. Toda vez que saio de casa tiro o percutor daquela arma e recoloco quando estou sozinho. É uma espécie de ritual secreto. Só o revólver que carrego comigo está sempre pronto para uso.
Aproximei-me, agarrei-a e beijei-a ardorosamente. Aquela mulher me enlouquecia.
- Seu telefone está grampeado e seus macacos me atrasaram, não tenho mais como te ajudar. Corre. Pega seu dinheiro e foge.
Sabrina era uma mulher inteligente. Soltou-se dos meus braços, agarrou a bolsa, e saiu:
- Foi bom enquanto durou, querido.
Que mulher incrível! Acabara de tentar me matar e ainda me dizia uma coisa dessas.
Olhava a chuva, um tanto deprimido. Era triste saber que haveria uma mulher bonita a menos no mundo. Mesmo sendo ela espiã, assassina e traidora. |
Fechei a porta, preparei uma dose generosa de malte escocês e olhei pela vidraça. Chovia torrencialmente. Espionagem industrial, repito, nada tem do charme asséptico que aparece nos filmes. É um mundo sórdido.
Um a mataria para queima de arquivo; outro, para dar uma lição à própria esposa e mostrar aos outros que não estava para brincadeiras. Por isso a deixei ir. Sabrina já estava morta e não sabia. Ou sabia. Tanto faz. Sei que resolvi o caso que me pagaram – e bem – para resolver; que escapei da morte. Ou seja, mais uma vez, dei sorte no jogo. Já, no amor...
Outras aventuras do Detetive sem nome
Ilustrações
1 - https://br.pinterest.com/pin/524739794081601491/ a Ka-Bar é uma das mais conceituadas e tradicionais facas de combate. Perfeitamente indetectada sob a roupa, pequena e letal quando convenientemente manuseada.
2 - Robert Maguire in Pinterest https://br.pinterest.com/pin/333688653617425288/
3 - chuva - https://br.pinterest.com/pin/234750199311373531/
Comentários
Parabéns!
E as frases estão perfeitas! Parece film noir, "Sin City", etc.
A única coisa em que você não surpreende é na certeza de que vai surpreender seus leitores.
Quanto ao detetive sem nome, lembrei de uma piada antiga que diz que, nos homens, o sangue é pouco: o pouco que circula no cérebro escoa para partes mais baixas, se houver estímulo sexual.
Muito legal a narrativa. Prende a atenção todo o tempo.
Está de parabéns como sempre, Zo! It Malia!
Márcio - e uma coisa que não surpreende são seus comentários, sempre elogiosos... e jocosos. Pra vc ver, nem nosso Detetive, tão durão e experiente escapa dessa armadilha masculina. E fico feliz pq as histórias dele são para serem mesmo estilo noir, q acho dificílimo. Q bom q consegui passar isso
Branco - uau! mil obrigadas! Sim, como disse ao Márcio, a intenção era essa mesmo, muito obrigada!De verdade.
Clarisse - ownnn, obrigada, sua Linda.
Unknown - hahahah, vc anda mto engraçadinha. Mas obrigada, muito mesmo.
A todos, obrigada, d coração
Parabéns, Zoraya!