MEU PARAÍSO >> Whisner Fraga
As estantes se acotovelavam no fundo, onde estavam raridades.
Aranhas, traças, mosquitos e, certamente, cupins festejavam o isolamento.
Eu me esgueirei entre os quadris das prateleiras e alcancei o livro que pendia na prateleria mais alta.
1923, primeira edição. Um autógrafo esparramado pela folha de rosto. A tinta nem tinta, uma névoa.
O preço irrisório me emprestou uma culpa. Era enganar pagar cem vezes menos?
Um furo talvez diminuísse o valor de mercado, um rasgo, mas o exemplar estava quase impecável.
Eu queria reverenciar o tempo.
A luz pestaneja e as sombras aproveitam para abraçar as lombadas.
Eu queria mais três ou quatro horas, o tempo.
Desço para pagar e levam a conversa para descaminhos: fascismo, ditadura, política.
Pede desculpas pela bagunça. E daí?
O resto foi uma visita ao paraíso.
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