TUDO PARA EVITAR O FIM >> Cristiana Moura


Não faz muito, conheci Madalena — atriz de teatro, arrojada, dessas pessoas que acreditam no inesperado e que amam a vida quase todos os dias.

Semana passada sentamos em um café e conheci a história mais intrigante de um fim de namoro que eu já havia ouvido. Arlindo e Madalena se conheciam há anos, mas não eram próximos. Reencontraram-se na Lapa, em meio a um evento político e muitos amigos. Em poucos dias já estavam namorando.

Apaixonados, seus olhos brilhavam, imaginavam-se envelhecendo juntos, faziam muitos planos para os futuros possíveis. Passavam o máximo de tempo possível juntos, dormiam de conchinha e orgasmos temperavam a vida quase todos os dias.

Por aproximadamente dois meses, os dias se seguiram assim. No terceiro e último mês desta relação tudo havia mudado: brigavam à toa, discutiam por banalidades, pareciam não falar a mesma língua. Ela contou-me que Arlindo lhe parecia paranóico, via coisas onde não existiam, sentia-se explorado só Deus sabe porque e como, queria coisas que não dizia claramente. "Não tenho bola de cristal — terminei o namoro" — ela me disse em tom impaciente.

Por semanas ele insistiu. Mensagens sem resposta, telefonemas, flores — nada fazia com que ela mudasse de ideia. Ele aparecia na casa da moça na madrugada, ela sequer abria a porta. Arlindo era um homem apaixonado. Bem, isso era o que eu pensava até a próxima parte desta história.

Ele insistiu muito para encontrá-la, disse-lhe que tinha algo de extrema importância para mostrar-lhe. Ela aceitou deixando claro que seria a última vez.

Madalena tomou mais um gole do café, respirou fundo, fez uma cara que me falta adjetivo para descrever e continuou.

Arlindo havia visitado um médium que havia psicografado uma carta endereçada a ela. Nos tais papéis, com mais ou menos três páginas manuscritas, a entidade se identificava como pai de Madalena em sua vida pregressa. Falava de erros e acertos da moça em encarnação passada, de seu amor e orações por ela.

"— Minha amada filha, Arlindo e você foram namorados na sua encanação anterior e o maior erro desta sua vida foi não ter aceitado a grandeza e pureza deste verdadeiro amor. Vocês não tiveram juntos os filhos que deveriam ter, não aprenderem o que precisavam aprender. Por obséquio, não cometa o mesmo erro nesta nova vida que incorreu na passada."

Em uma comoção que misturava desprezo e compaixão, Madalena olhou nos olhos de Arlindo, entregou-lhe a carta, abaixou a cabeça, virou-se e, silenciosamente, caminhou lentamente até que o rapaz, completamente paralisado, não podia mais vê-la.

Comentários

Zoraya Cesar disse…
Por um instante, viciada que estou em ver o noticiário, temi q essa história terminasse em violência. Mas nao, terminei de ler com sentimentos contraditórios: feliz por Madalena ter visto o que os olhos nao viram - ela sim, a verdadeira médium - e se afastado enquanto era tempo; triste por ver um homem feito que se desfazia a cada tentativa, incapaz de se refazer.
Muito bem contada, Cris, como sempre!
Cristiana Moura disse…
Que delícia vc falando...
Albir disse…
Tão boa a sua história que fico imaginando detalhes não contados. Por exemplo, será que ela não reconheceu vícios de linguagem e erros gramaticais do pobre apaixonado na carta do pai?

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