O VENTO >> Sergio Geia





Estava caminhando em direção ao Fritz quando fui acarinhado por um ventinho suave. Lembrei-me na hora de um pedaço de crônica da Cristiana Moura. Foi uma das primeiras que li da Cris e que me fez ficar apaixonado pelo seu estilo.

No bar, a caneca de chope brilhando na mesa, fui pro celular encontrar “Um sopro na tarde”: “Era manhã de domingo. Ele tinha cinco ou seis anos. Saímos do mar correndo como numa brincadeira que se pensasse eterna. Sempre que saio do mar me sinto como que emergindo do útero da Terra. Ele fechou os olhos e depois de um curto silêncio disse quase em sussurro, como quem revela um segredo ainda sem a certeza de que pudesse ser revelado: — Mãe, o vento tá fazendo carinho no meu rosto! — Pois deixa ele carinhar meu filho, deixa ele carinhar” – Cristiana Moura.

Era manhã de domingo, mas eu não tinha o mar. Mas tinha o vento, e uma caneca de chope trincando na minha frente. Bebi o chope feliz da vida por aquele instante mágico, as palavras da Cris me inundando com a mais pura e genuína felicidade. Sabe quando a gente torce pra que um momento não termine nunca? Que possa durar mais, um pouquinho mais, muito mais? Pois é... Isso pra mim é felicidade. A felicidade, amigo, está em lugares tão simples que muitos são infelizes simplesmente porque a buscam em locais não frequentados por ela.

Tentei puxar da memória outras poesias que falassem de vento.Mudou a minha vida e mais/ Pedi ao vento pra trazer você aqui/ Morando nos meus sonhos e na minha memória/ Pedi ao vento pra trazer você pra mim/  Vento traz você de novo/ Vento faz do meu mundo novo/ E voe por todo mar e volte aqui.../ E voe por todo mar, e volte aqui.../ Pro meu peito...”. “O vento” mais do que depressa deitou no pensamento. Composição do Márcio Buzelin, interpretada pelo Jota Quest.

“Me leva, o vento me leva pra ela/ me leva, me faça ficar junto dela/ É desse amor que eu preciso, preciso e não posso esquecer/ Eu faço de tudo no mundo pra não te perder, me leva”. Esse samba eu tenho aqui num CD interpretado magistralmente pelo Diogo Nogueira. Tô tirando no violão. Uma delícia.

Gosto especialmente de uma do Roberto Carlos. Aliás, adoro as composições antigas dele. Esta é bem delicada: “Virgem, menina morena, nos cabelos uma trança/ no rosto um jeito criança/ Na voz um canto mulher/ Virgem, menina morena, nos olhos toda a primavera/ No corpo uma longa espera/ Coração banhado em fé/ A tarde corre pra noite/ A lua desperta sorrindo/ A menina na janela/ Botão em flor se abrindo/ Nasceu o primeiro desejo/ Conhecer o primeiro amor/ Na história de um poeta/ A menina acreditou/ Mas o poeta foi um dia/ E até hoje não voltou/ Ninguém sabe o caminho/ Que o poeta levou/ O vento que foi com ele/ Um dia por lá voltou/ Mas só que voltou sozinho/ E a menina chorou/ Na história do poeta/ A menina acreditou/ E dos olhos da menina/ Uma lágrima rolou”. “A menina e o poeta”, e o vento que voltou sozinho.

Fiquei no Fritz tomando chope na companhia da poesia dos grandes poetas. E quer melhor companhia? E do vento, claro, que me acarinhava docemente. “Deixa ele carinhar, Sergio. Deixa ele carinhar”, eu ouvia a Cris.

Ilustração: John William Whaterhouse

Comentários

Zoraya disse…
Que brisa delicada essa crônica,Sergio! E obrigada por ter me apresentado ao John William Whaterhouse!
Cristiana Moura disse…
Sérgio, que heresia a minha. Hoje, apenas hoje, li esta crônica. O que posso dizer? Sem palavras e, ao mesmo tempo, acarinhada pelas suas palavras em meu novo-velho momento de alternância entre solidão e solitude.

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