HABILIDADES DOMÉSTICAS >> Sergio Geia
Na
sexta-feira, meu filho chega de São Paulo carregando uma mala entupida de roupa
suja. No final de semana, ele toma de assalto a máquina de lavar. Gira os
botões como quem gira o botão do fogão, ou aumenta o volume do rádio do carro,
ou coisa parecida; uma familiaridade irritante, inaceitável e incompreensível. Despeja
o sabão em pó, que não é mais em pó, mas líquido, o amaciante, e ainda me avisa
que o “Omo tá acabando, pai!”
Depois
põe a geringonça pra funcionar que é uma beleza. Uma, duas, três, nem sei
quantas vezes. Dois varais com camisas, jeans, lençóis, bermudas, meias. No
final do domingo, carrega tudo de volta pra mala, que irá levar de volta a São
Paulo, para mais uma semana de labuta. O elefante branco de outros carnavais,
que me assustou quando vim morar sozinho, tornou-se para o jovem de 18 anos um
simples e inofensivo gatinho. Se aos 45 eu nunca tinha apertado um botão sequer
de uma máquina dessas, ele, aos 18, já domina a técnica com maestria, que o
tornará por certo mais independente, livre, autônomo, nesse mundo de
dependência e subordinação em que vivemos.
Mas
calma, amigo, calma. Hoje posso dizer com serenidade que essa mesma habilidade
que ele desenvolveu tão cedo eu também já desenvolvi, he, he, he. Tudo bem, demorou
mais tempo, é verdade, mas hoje me viro bem com a geringonça, que não tem nada
de elefante branco, ou de tiranossauro rex, que me dava um tremendo medo. É
mais um gatinho, sim. Um gatinho inofensivo e útil. Muito útil.
Agora,
se tem algo ultimamente que me anda pondo medo; se tem algo que me assusta, que
faz minhas mãos tremerem e suarem sem parar, esse negócio, que é mais velho do que
andar pra frente, esse negócio se chama ferro de passar roupa.
Antigamente
era fácil. Pelo que via, era só pôr na tomada. Havia um botãozinho que mantinha
a temperatura no mínimo, no médio ou no máximo. E pronto. Era só começar a
passar e aumentar a temperatura ou diminuí-la de acordo com os tecidos. Esse que
eu tenho aqui, e que terei que usar até arrumar uma nova ajudante, tem um
famigerado botão giratório pra eu escolher o tipo de tecido: acetato, seda,
rayon (meu Deus, o que é rayon?!), lã, algodão, linho. Tem dois botõezinhos pra
apertar com desenhinhos indecifráveis (não é mais fácil escrever pra que
servem, não, ô?!). Tem outro escrito autolimpeza (melhorou). Há um outro que
vai pra lá e pra cá, aumentando e diminuindo o filete escuro (Meus Deus, pra
que tantos botões!?). E um buraquinho, que na minha ínfima capacidade de
decifrar esse monstrengo doméstico, serve pra colocar água.
Mais
difícil do que passar roupa é entender como funciona um ferro de passar roupa e
seu indecifrável manual. Sinceramente? Acho que escrever uma crônica por dia,
um romance a cada seis meses, um roteiro pra cinema, ou arredondar uma
encrencada e velha execução trabalhista, são tarefas mais fáceis, mas eu chego
lá...
P.S.:
Esquece esse último parágrafo, mermão. Tudo resolvido com essa tecnologia
massa. Bastaram três minutinhos. Bora passar roupa (com a ajuda do You Tube,
claro! he, he, he).
Ilustração:
http://gartic.com.br
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