SUBJETIVIDADE >> Sergio Geia
Na insegurança da publicação do meu
primeiro livro, algumas coisas me serviram de estímulo e me deram coragem pra
seguir em frente. A análise de uma profissional do Rio de Janeiro, por exemplo,
contratada para apontar os defeitos. “Você não me contratou para dourar a
pílula, né? Para receber elogios?” “De jeito nenhum.” Surpreendentemente, oitenta
por cento da resenha foi positiva. Os outros vinte eu tratei de dar duro pra
melhorar.
Outra coisa: a crítica literária. Tipo
essas duas que tratam do mesmo livro.
1. O livro não é ruim. Ele é
simplesmente muito ruim, e o advérbio de intensidade não é utilizado aqui de
modo leviano. Ao contrário, a resenha reclama esse tipo de posicionamento logo
de cara, a fim de deixar bem clara a posição do resenhista. Malsucedido é um tijolo de pouco mais de
quinhentas páginas que não mostra absolutamente nada, ou, mostra
superficialmente, digamos, cenas pobres e malnarradas de um cotidiano chinfrim
passado numa favela de São Paulo. Honestamente, a primeira impressão que despertou
nesse resenhista ao se deparar com o estranho livro de Augustus Augusto, é que o escritor, atrevidamente, pretende se apresentar
ao mercado editorial como um autor de vanguarda, alguém que faz algo diferente,
e que quer produzir, ou pelo menos tenta, um livro experimental de alta
complexidade, que talvez, na sua míope visão, represente o alicerce de uma nova
faceta, mais moderna, da literatura contemporânea. E se essa foi mesmo a sua
intenção, o autor deu uma tremenda bola fora. O leitor que percorre as páginas
de Malsucedido vai perceber logo de cara
que a jornada é insana, tipo escalar o Everest. Nada se sustenta no pobre
tijolão de Augustus. Tudo está de ponta-cabeça:
tempo, personagens, ações; há uma evidente falta de conexão entre as cenas, um
simulacro de história malcosturada com frases obscuras, pobres, sem sentido, abusando
o autor da simplicidade linguística, do uso de expressões chulas e de metáforas
— na maior parte, vazias de sentido.
2. Há tempos o cenário literário
brasileiro não apresenta uma obra que se desvie, ainda que minimamente, do
lugar-comum das mesmices romanescas do tempo de antanho. Nesse sentido, Augustus Augusto parece ser uma joia
rara, e seu Malsucedido desponta como
uma das mais bem-sucedidas obras de ficção já concebidas no universo literário
tupiniquim, que me perdoe o uso do trocadilho. Das experiências verificadas no
livro experimental de Augustus, o
leitor mais acostumado com a estrutura trivial dos romances contemporâneos pode
estranhar, e não conseguir atingir o nível de profundidade a que o livro
convida, desistindo após as primeiras páginas. No entanto, aquele que consegue
superar esse primeiro grande obstáculo, vai encontrar uma obra monumental,
sólida, bem-costurada, numa linguagem totalmente intrigante e apaixonante, e
vai viver uma das mais belas experiências que uma boa literatura pode
proporcionar: no caso do livro de Augustus,
estar presente no dia a dia de algumas famílias da periferia, vivendo de forma
visceral os graves e retumbantes problemas da sociedade dos homens, sem sair de
casa, apenas folheando as páginas magníficas do tijolo de Augustus Augusto...
Fico a pensar que tudo, tudo nessa vida
é de uma subjetividade retumbante. A verdade, meus caros, é individual, e
existe apenas no universo de cada um.
Ilustração: Tomie Ohtake
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