UM DIA DE SORTE >> Whisner Fraga


Não sou pescador, nem profissional nem amador, mas gosto de uma pescaria, mais pela tranquilidade de uma sombra à beira-rio do que pelo prazer de fisgar um peixe grande. Naquela época, tempo era o que eu mais tinha para gastar, daí que combinei com meu cunhado de irmos à fazenda de sua mãe, próxima ao Córrego do Açude, entre Ituiutaba e Capinópolis.

Fomos, em seu Chevette 74 (estávamos em 1999, mais ou menos), na esperança de pegar uns bons bagres ou uns mandis que não nos fizessem passar muita vergonha. O carro sofria para vencer os cinquenta quilômetros de terra até a sede. A região é fértil em barbeiros e foi dormindo em casebres de pau-a-pique que este cunhado contraiu Chagas e assim seguiu desta para melhor ou pior, mas essa é outra história.

Chovia forte naquele primeiro dia, o rio encheu e não pudemos testar nossas iscas. No dia seguinte, o sol voltou com tudo, catamos algumas minhocas e rumamos para o barranco. Pegamos vários mandis, que não nos ferroaram naquele dia. Toda vez que tirávamos o peixe do anzol, tomávamos cuidado. Dizem que para que a dor de uma picada de seu esporão passe logo, o melhor a fazer é arrancar os olhos do infeliz e esfregá-lo rapidamente no machucado, mas não precisamos testar o método.

Na volta, o Chevette carregava uns sobrinhos a mais, uns cocos, umas mandiocas, umas melancias e assim por diante, de forma que o carro ia com as línguas de fora e os pneus arriados. No meio do caminho tinha um posto da Polícia Rodoviária e, como era raro eles pararem alguém, viajávamos calmamente. O negócio é que rolava uma blitz naquele dia. “O documento está em dia?”, questionei, preocupado. “Claro”, foi a resposta. Beleza. Naquele tempo era comum toda família ter um carro velho para as pescarias, com a documentação toda vencida há décadas, o que não tirava o sono de ninguém, mas mesmo assim não convinha facilitar com a lei. Hoje as coisas mudaram, o Brasil se tornou um país rico e é comum filas de Hilux até o rio mais próximo.

Vendo aquele carro apinhado, era razoável que nos parassem. Foi o que fizeram. Ninguém estava de cinto de segurança, o que não seria problema nenhum, pois o uso ainda não era obrigatório, eu acho. E, se fosse, ninguém estava nem aí, de qualquer maneira. O policial se aproximou e pediu para que ele desligasse o motor. Ouvi meu cunhado argumentar que não era uma boa ideia, uma vez que a bateria não estava lá essas coisas. “Nem pensar, desliga isso aí”, foi o golpe.

É, os documentos do carro estavam certinhos – até o IPVA estava em dia. O problema era que a habilitação do motorista vencera havia anos, o Chevette estava sem extintor de incêndio, sem chave de roda, sem macaco, sem pneu de estepe, com a luz de freio queimada e assim por diante. Eram umas vinte irregularidades, no mínimo. O correto seria prender todo mundo, para nos dar uma lição de como não andar com um carro na rodovia. Mas o policial deve ter imaginado que qualquer punição não resultaria em nada, olhou para as crianças, alheias no banco traseiro, catarrentas, embirradas, encarou nossos semblantes ainda sujos da pescaria, vermelhos de sol e decidiu que o melhor seria nos deixar partir: “Moço, vá devagar, tenha juízo, o senhor está com crianças aí.”

Queríamos ir embora logo, antes que ele mudasse de ideia, só que, ao tentar a ignição, nenhum barulho, nada. A bateria estava mesmo ruim. Então, não acreditei no que aconteceu. Meu cunhado desce do carro e grita que precisa de ajuda com o Chevette. Quando dois policiais estavam bem próximos, ouvi meu parente repreendê-los: “se vocês não tivessem parado a gente, não precisariam empurrar.”

Comentários

Vicente Lima disse…
Que coisa os culpados ainda foram os policiais! Com essas histórias você pode escrever o livro AS AVENTURA DO GAROTO DE ITUIUTABA. Garanto que compro na primeira edição!
whisner disse…
Eduardo e Vicente, obrigado pela leitura! Vicente, quando editar o livro, vou cobrar heim! rsrsrsrsrs Abraços!

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