TRICAMPEÃO >> Albir José Inácio da Silva
Contrariando predições e expectativas, meu sobrinho fez quarenta e cinco anos. Foi batizado Jorge, mas como nunca conseguiu falar esse nome, ele mesmo se apelidou de Dódi. Com a morte de minha irmã, há duas semanas, eu herdei o Dódi. Agora estou aqui arrumando a mesa da sala enfeitada, enquanto ele sorri impaciente, esperando os convidados. Tem muito que comemorar.
Chamei os mais próximos com suas crianças porque vai ter chapeuzinhos de palhaço e balões coloridos, conforme a mãe prometera. Dódi nunca chegou a ser adulto, a não ser no tamanho e na tristeza. Mas é um vencedor.
A primeira vitória foi a infância. Nasceu quase sem peso, teve bronquite, morre não morre, sobreviveu. “Meio defeituoso” como diz meu marido, mas viveu. A custa de remédios, passes, rezas e carinho da mãe, viveu. Mas a vida só começava.
O Brasil acabava de vencer o jogo contra a Itália e ouvia-se, nas ruas e na televisão, o grito de tri-cam-peão! Dódi agitava um pano como bandeira. Foi quando eles chegaram. Bateram na porta, mas antes que alguém pudesse abrir, arrombaram.
Meu cunhado, pai de Dódi, tentou explicar que não sabia de nada, não tinha nada, mas eles repetiam que ele era subversivo e que ia acabar falando. Bateram nele até que sangrasse, depois procuraram pela casa, jogaram livros no chão e rasgaram o sofá.
Minha irmã continuava abraçando Dódi, que tremia. Um deles, o que gritava muito, chegou a puxar o menino pelo braço. Mas o mais velho disse que não, criança não, que não era covarde, só batia em subversivo. Levaram seu pai, e ele teve a primeira crise. Quando cheguei ainda se debatia. Cinco anos ele tinha. Ficou no hospital por uma semana. Remédios e amor de mãe permitiram que ele fosse vivendo. Nunca foi um menino alegre, embora sorrisse.
A segunda crise veio no tal do enterro do pai. Não era enterro nenhum porque não tinha defunto. Foi uma coisa ruim, até os adultos estavam mal. Fizeram homenagens, elogios, bom camarada, bom marido, bom pai. Disseram que ele estaria sempre conosco, chamaram seu nome e responderam presente. Mostraram foto grande e Dódi, que já estava nervoso com as palavras, teve uma crise que durou dias. Mas sobreviveu.
Depois parou de perguntar pelo pai. Gostava da escola, da professora, da terapeuta. Em casa ajudava a mãe, que nunca saía de perto. Assim foi vivendo, uma criança com vinte, trinta, quarenta anos. Sorridente mas triste, amoroso mas assustado. Vencedor mais uma vez.
Há quinze dias minha irmã morreu e suas últimas palavras foram de preocupação com Dódi. Eu prometi que cuidaria dele, e esta festa é parte desse cuidado. Depois do enterro, de que Dódi foi poupado, fomos em comissão conversar com ele. Eu, o padre e a terapeuta, que sempre nos ajudava nesses momentos. Meu marido tinha ficado com ele, que andava pela casa procurando a mãe.
Com voz suave a terapeuta disse que tinha uma coisa triste pra dizer: ele nunca ia ficar sozinho, todos nós íamos cuidar dele, mas sua mãe não ia mais voltar. Depois de olhar o chão em silêncio por longos minutos, Dódi perguntou:
- Minha mãe também é suversivo?
Chamei os mais próximos com suas crianças porque vai ter chapeuzinhos de palhaço e balões coloridos, conforme a mãe prometera. Dódi nunca chegou a ser adulto, a não ser no tamanho e na tristeza. Mas é um vencedor.
A primeira vitória foi a infância. Nasceu quase sem peso, teve bronquite, morre não morre, sobreviveu. “Meio defeituoso” como diz meu marido, mas viveu. A custa de remédios, passes, rezas e carinho da mãe, viveu. Mas a vida só começava.
O Brasil acabava de vencer o jogo contra a Itália e ouvia-se, nas ruas e na televisão, o grito de tri-cam-peão! Dódi agitava um pano como bandeira. Foi quando eles chegaram. Bateram na porta, mas antes que alguém pudesse abrir, arrombaram.
Meu cunhado, pai de Dódi, tentou explicar que não sabia de nada, não tinha nada, mas eles repetiam que ele era subversivo e que ia acabar falando. Bateram nele até que sangrasse, depois procuraram pela casa, jogaram livros no chão e rasgaram o sofá.
Minha irmã continuava abraçando Dódi, que tremia. Um deles, o que gritava muito, chegou a puxar o menino pelo braço. Mas o mais velho disse que não, criança não, que não era covarde, só batia em subversivo. Levaram seu pai, e ele teve a primeira crise. Quando cheguei ainda se debatia. Cinco anos ele tinha. Ficou no hospital por uma semana. Remédios e amor de mãe permitiram que ele fosse vivendo. Nunca foi um menino alegre, embora sorrisse.
A segunda crise veio no tal do enterro do pai. Não era enterro nenhum porque não tinha defunto. Foi uma coisa ruim, até os adultos estavam mal. Fizeram homenagens, elogios, bom camarada, bom marido, bom pai. Disseram que ele estaria sempre conosco, chamaram seu nome e responderam presente. Mostraram foto grande e Dódi, que já estava nervoso com as palavras, teve uma crise que durou dias. Mas sobreviveu.
Depois parou de perguntar pelo pai. Gostava da escola, da professora, da terapeuta. Em casa ajudava a mãe, que nunca saía de perto. Assim foi vivendo, uma criança com vinte, trinta, quarenta anos. Sorridente mas triste, amoroso mas assustado. Vencedor mais uma vez.
Há quinze dias minha irmã morreu e suas últimas palavras foram de preocupação com Dódi. Eu prometi que cuidaria dele, e esta festa é parte desse cuidado. Depois do enterro, de que Dódi foi poupado, fomos em comissão conversar com ele. Eu, o padre e a terapeuta, que sempre nos ajudava nesses momentos. Meu marido tinha ficado com ele, que andava pela casa procurando a mãe.
Com voz suave a terapeuta disse que tinha uma coisa triste pra dizer: ele nunca ia ficar sozinho, todos nós íamos cuidar dele, mas sua mãe não ia mais voltar. Depois de olhar o chão em silêncio por longos minutos, Dódi perguntou:
- Minha mãe também é suversivo?
Comentários
Sempre amáveis e lisongeiros.