FAÇA O QUE TEM VONTADE
>> Eduardo Loureiro Jr.
Vamos falar de cocô... Sim, cocô. Se eu estivesse em uma praia cearense, curtindo o mar e sendo curtido pelo sol, eu falaria de coco, de água de coco, de brisa, de biquínis, de espuma e areia. Mas cá estou no Planalto Central, em pleno cerrado, e o assunto é com acento: cocô.
Passei uns 30 anos da minha vida fazendo cocô com hora marcada. Entre o café da manhã e a saída para a escola ou para o trabalho, eu ia para o assento do trono do vaso, sempre acompanhado de um livro ou de uma revista. Fazer cocô também é cultura.
Como meus leitores assíduos já sabem, meu proctologista me proibiu esse hábito: "Você tem de escolher entre a literatura e as hemorroidas". Mas só essa semana, meses depois da consulta, é que percebi que o que eu ouvi não foi o que o doutor realmente disse. Ele disse apenas: "Só faça cocô quando tiver vontade".
Eu fazia cocô sem vontade, essa é a verdade. Eu fazia cocô antes de sair de casa para não sentir vontade de fazer cocô na rua. Para que não se repetisse um episódio de infância em que me vi, cagado, num banheiro de escola, sem papel higiênico. Tive que me limpar com a cueca, que ficou abandonada na lixeira. Perdi a cueca e ganhei o trauma, ficando três décadas preso a ele. Agora, por recomendação médica, estou tendo que abrir mão desse trauma, obedientemente.
Fazer cocô só por vontade tem me feito ler menos, mas há algumas compensações. Descobri que as coisas não precisam durar muito para serem boas. Uma rapidinha sem tempo de ler nem uma página de revista pode ser tão prazerosa quanto ler um capítulo de livro. Fazendo cocô só por vontade, fiquei até mais fã de Deus. Que sujeito genial esse que nos faz sentir prazer tanto ao comer quanto a evacuar (ou obrar, como meu pai gostava de dizer). Como na maioria dos dias trabalho em casa mesmo, estou refazendo meu hábito sem correr o risco de passar aperto na rua: às vezes, a vontade vem no meio da manhã; outras vezes, só à tarde. O que eram minutos viraram segundos, ou seja, até tenho economizado tempo com esse fazer cocô por vontade.
Estou me sentindo tão bem com a experiência que tenho pensado em estender o conceito para outras áreas: falar só quando tiver vontade, escrever só quando tiver vontade, trabalhar só quando tiver vontade... Mas não é fácil essa transposição porque desconfio que há traumas associados a todas essas coisas também. Será que precisarei da ordem de outras autoridades para me liberar também desses traumas? Que profissional me autorizará a falar só quando tiver vontade? Um fonoaudiologista? E para escrever só quando eu tiver vontade, precisarei do ultimato de um poeta? E para trabalhar só quando tiver vontade, terei de marcar uma hora com o ocioso criativo Domenico de Masi?
Essas coisas de vontade são sérias. Não aconselho o leitor a repetir a experiência sem acompanhamento profissional, pois corro o risco de ser culpado por algum transtorno pessoal, familiar, social ou espiritual pelo qual você venha a passar. Em questões de vontade, desejo, querer, sonhos e caprichos, advirto o leitor de que é melhor tomar remédio controlado, sob estrita recomendação médica. Pois se você começar a chamar a atenção de alguns invejosos por estar mais solto, descontraído e feliz, poderá dar a desculpa de que foi um médico que lhe intimou a só fazer o que tem vontade.
E agora eu peço licença, pois estou com vontade de encerrar esta crônica.
Passei uns 30 anos da minha vida fazendo cocô com hora marcada. Entre o café da manhã e a saída para a escola ou para o trabalho, eu ia para o assento do trono do vaso, sempre acompanhado de um livro ou de uma revista. Fazer cocô também é cultura.
Como meus leitores assíduos já sabem, meu proctologista me proibiu esse hábito: "Você tem de escolher entre a literatura e as hemorroidas". Mas só essa semana, meses depois da consulta, é que percebi que o que eu ouvi não foi o que o doutor realmente disse. Ele disse apenas: "Só faça cocô quando tiver vontade".
Eu fazia cocô sem vontade, essa é a verdade. Eu fazia cocô antes de sair de casa para não sentir vontade de fazer cocô na rua. Para que não se repetisse um episódio de infância em que me vi, cagado, num banheiro de escola, sem papel higiênico. Tive que me limpar com a cueca, que ficou abandonada na lixeira. Perdi a cueca e ganhei o trauma, ficando três décadas preso a ele. Agora, por recomendação médica, estou tendo que abrir mão desse trauma, obedientemente.
Fazer cocô só por vontade tem me feito ler menos, mas há algumas compensações. Descobri que as coisas não precisam durar muito para serem boas. Uma rapidinha sem tempo de ler nem uma página de revista pode ser tão prazerosa quanto ler um capítulo de livro. Fazendo cocô só por vontade, fiquei até mais fã de Deus. Que sujeito genial esse que nos faz sentir prazer tanto ao comer quanto a evacuar (ou obrar, como meu pai gostava de dizer). Como na maioria dos dias trabalho em casa mesmo, estou refazendo meu hábito sem correr o risco de passar aperto na rua: às vezes, a vontade vem no meio da manhã; outras vezes, só à tarde. O que eram minutos viraram segundos, ou seja, até tenho economizado tempo com esse fazer cocô por vontade.
Estou me sentindo tão bem com a experiência que tenho pensado em estender o conceito para outras áreas: falar só quando tiver vontade, escrever só quando tiver vontade, trabalhar só quando tiver vontade... Mas não é fácil essa transposição porque desconfio que há traumas associados a todas essas coisas também. Será que precisarei da ordem de outras autoridades para me liberar também desses traumas? Que profissional me autorizará a falar só quando tiver vontade? Um fonoaudiologista? E para escrever só quando eu tiver vontade, precisarei do ultimato de um poeta? E para trabalhar só quando tiver vontade, terei de marcar uma hora com o ocioso criativo Domenico de Masi?
Essas coisas de vontade são sérias. Não aconselho o leitor a repetir a experiência sem acompanhamento profissional, pois corro o risco de ser culpado por algum transtorno pessoal, familiar, social ou espiritual pelo qual você venha a passar. Em questões de vontade, desejo, querer, sonhos e caprichos, advirto o leitor de que é melhor tomar remédio controlado, sob estrita recomendação médica. Pois se você começar a chamar a atenção de alguns invejosos por estar mais solto, descontraído e feliz, poderá dar a desculpa de que foi um médico que lhe intimou a só fazer o que tem vontade.
E agora eu peço licença, pois estou com vontade de encerrar esta crônica.
Comentários
estou com vontade de fazer co......
Parabéns!
Grato, meu amigo, pelo comentário também bem obrado. :)
Albir, desejo que você encontre médicos mais generosos. :)
http://ameixajaponesa.com.br/?s=Privacidade
Abraços!