MINHA FILHA VAI SER
>> Albir José Inácio da Silva
Assisti à reunião da escola preocupada com a hora. A gerente já avisou sobre os meus atrasos. Ainda tenho que chegar em casa, tomar banho e viajar durante duas horas até o trabalho. Mas não deixo de ir às reuniões. A escola me emociona. Principalmente quando falam da minha filha.
Nunca esqueço de como foi difícil reconquistar a guarda de Mariana, das coisas que ouvi na audiência, da vigilância até hoje, com visitas da assistente social e entrevistas no fórum. Cheguei a ficar sem ela por mais de um mês depois de tudo que inventaram sobre mim.
Assim que Mariana nasceu, tentei trabalhar como doméstica. Chegaram a me aceitar, mas não durou uma semana. Além do choro, que irritava a patroa, eu não conseguia completar as tarefas, tinha de amamentar e cuidar do bebê.
Além da juras de amor e das promessas de antes, o pai de Mariana nunca deu nada. Tinha mulher, filhos e uma militância religiosa que não podia ser manchada por filhos fora do casamento. No início pediu silêncio e prometeu ajuda material, desde que fosse em segredo. Durante três anos vivemos de doações porque a ajuda não chegava ou era insuficiente. Como eu telefonava pedindo ajuda, ele passou às ameaças e chegou a me agredir.
Com o escândalo, não havia mais aparências morais ou religiosas a proteger e o distinto mas vingativo senhor resolveu me tirar a filha. Uma farsa foi montada com depoimentos de várias pessoas que garantiram meu envolvimento com drogas e a presença de pessoas suspeitas na minha casa. Mariana, aos berros, foi entregue ao pai na sala de audiência.
Eu quis me matar mas não deixaram. Vivi de choro, calmantes e crises por um mês. Mariana também chorava, não falava e não comia. Depois não abria mais os olhos. O pai levou ao médico, que disse que ela ia morrer se continuasse assim. Ele voltou ao fórum e desdisse as mentiras. Fui chamada e me devolveram Mariana.
A pensão era uma miserável parcela de um miserável salário-mínimo, que foi quanto o pai disse que ganhava. A comida acabava ainda no início do mês. Foi quando vi o anúncio no jornal. Desconfiei do anúncio — muito dinheiro. Desconfiei, mas fui.
Não posso reclamar do trabalho. Agora Mariana não passa mais fome, tem roupa, tem escola e um sorriso lindo. Ruim é a gerente. Ela não trabalha mais, só manda. Parece que nunca trabalhou, persegue as meninas, e multa. Qualquer atraso nosso ou reclamação de cliente, é multa. Alguns clientes não são ruins. Conversam e me tratam como gente.
No trabalho tenho outro nome — um nome de trabalho. Não. Não foi isso que sonhei. Eu queria ser professora. Mas minha filha vai ser.
Nunca esqueço de como foi difícil reconquistar a guarda de Mariana, das coisas que ouvi na audiência, da vigilância até hoje, com visitas da assistente social e entrevistas no fórum. Cheguei a ficar sem ela por mais de um mês depois de tudo que inventaram sobre mim.
Assim que Mariana nasceu, tentei trabalhar como doméstica. Chegaram a me aceitar, mas não durou uma semana. Além do choro, que irritava a patroa, eu não conseguia completar as tarefas, tinha de amamentar e cuidar do bebê.
Além da juras de amor e das promessas de antes, o pai de Mariana nunca deu nada. Tinha mulher, filhos e uma militância religiosa que não podia ser manchada por filhos fora do casamento. No início pediu silêncio e prometeu ajuda material, desde que fosse em segredo. Durante três anos vivemos de doações porque a ajuda não chegava ou era insuficiente. Como eu telefonava pedindo ajuda, ele passou às ameaças e chegou a me agredir.
Com o escândalo, não havia mais aparências morais ou religiosas a proteger e o distinto mas vingativo senhor resolveu me tirar a filha. Uma farsa foi montada com depoimentos de várias pessoas que garantiram meu envolvimento com drogas e a presença de pessoas suspeitas na minha casa. Mariana, aos berros, foi entregue ao pai na sala de audiência.
Eu quis me matar mas não deixaram. Vivi de choro, calmantes e crises por um mês. Mariana também chorava, não falava e não comia. Depois não abria mais os olhos. O pai levou ao médico, que disse que ela ia morrer se continuasse assim. Ele voltou ao fórum e desdisse as mentiras. Fui chamada e me devolveram Mariana.
A pensão era uma miserável parcela de um miserável salário-mínimo, que foi quanto o pai disse que ganhava. A comida acabava ainda no início do mês. Foi quando vi o anúncio no jornal. Desconfiei do anúncio — muito dinheiro. Desconfiei, mas fui.
Não posso reclamar do trabalho. Agora Mariana não passa mais fome, tem roupa, tem escola e um sorriso lindo. Ruim é a gerente. Ela não trabalha mais, só manda. Parece que nunca trabalhou, persegue as meninas, e multa. Qualquer atraso nosso ou reclamação de cliente, é multa. Alguns clientes não são ruins. Conversam e me tratam como gente.
No trabalho tenho outro nome — um nome de trabalho. Não. Não foi isso que sonhei. Eu queria ser professora. Mas minha filha vai ser.
Comentários
obrigado sempre.
http://tabomeuconfesso.blogspot.com.br/2012/07/filha-da-digna.html
Este texto foi republicado em 31/07/2012, sem indicação de autor e com título trocado, no endereço que você informou.
Um abraço e obrigado pela leitura e pelo aviso.