OS LIVRO ILUSTRADO MAIS INTERESSANTE ESTÃO EMPRESTADO [Debora Böttcher]

Eu vou começar esse texto como a repórter Fátima Bernardes iniciou a edição de sexta-feira do Jornal Nacional: "Prestem atenção a essa frase." E William Bonner continuou: "Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado."

Pausa pra você ler de novo.

Essa frase consta num livro de PORTUGUÊS distribuído pelo Ministério da Educação (MEC) para quase meio milhão de alunos, que defende que a maneira como as pessoas usam a língua deixe de ser classificada como certa ou errada e passe a ser considerada adequada ou inadequada, dependendo da situação. E arremata, ao citar a frase acima:  "Na variedade popular, basta que a palavra ‘os’ esteja no plural. A língua portuguesa admite esta construção".

Se você não viu a matéria, pode pensar que isso é alguma brincadeira — eu pensaria. Mas, lamentavelmente, trata-se da Educação (?!) no Brasil.

Após 18 anos de elaboração (e agora consigo entender o porquê de tanto tempo), em 2009 entraram em vigor regras de acentuação do novo acordo ortográfico e acentos como o trema — esse que consta no meu sobrenome — foram extintos da língua, com exceção a nomes estrangeiros e seus derivados (ainda bem!). Mas isso não é relevante — é só uma observação.

Importante é considerar que crianças do país inteiro estão sendo alfabetizadas de um jeito inconcebível, no meu entender.

O objetivo maior da escola é ENSINAR a criança (adulto ou adolescente analfabeto) a ler, escrever e falar CORRETAMENTE. Não se pode defender nem promover um ensino plural, como alega Heloísa Ramos (autora do livro em questão), sob o pretexto de que isso estimula a formação de cidadãos capazes de usar a língua com flexibilidade.

Não existe flexibilidade, sob esse prisma, para a língua materna de um país. Existem, sim, dialetos regionais que devem ser considerados — no mundo todo é assim. Mas não se pode, sob nenhum argumento, ensinar alguém a ler, escrever ou falar errado sua própria língua.

Num país como o Brasil, que tem 16 milhões de analfabetos, a Educação precisa ser levada com mais seriedade. E a opinião pública, de linguistas e educadores, tem que gritar muito alto contra desatinos desse tipo.

Muitos defendem atualmente que a função principal do professor é preparar para a vida. Muitos questionam para que aprendemos a gramática, se ninguém na nossa vida adulta vai nos questionar sobre o que é um substantivo. É provável que ninguém nos questione diretamente, mas vamos precisar saber, porque na vida, no cotidiano, em qualquer profissão, esse conhecimento nos será cobrado.

No futuro (nem tão distante assim), esses que hoje são aprendizes da língua nos bancos escolares, serão os jornalistas, médicos, advogados, engenheiros, professores, presidentes, que darão voz e ação em nome do Brasil. Serão, por exemplo, pessoas-chave em eventos mundiais que o País vai sediar, como os cobradores de ônibus, funcionários de bilheterias de metrô, fiscais de trânsito, vendedores de ingressos.

Você consegue imaginar uma nação sem dominar sua própria língua? Pois é como parece que estamos caminhando para ser.

Comentários

Debora, achei muito estranha essa notícia e fui atrás do livro em questão. Encontrei a seguinte imagem de uma página do livro em que a tal frase teria sido "ensinada". Como bem se pode ler na reprodução do livro, a autora faz uma distinção entre a norma culta e a fala cotidiana, distinção que podemos perceber no nosso dia-a-dia e na nossa própria fala. Acho extremamente saudável a abordagem da autora: ela nem nega a norma culta nem a fala popular, mas alerta para o uso adequado da língua à ocasião, o que me parece corretíssimo.
Desculpe, mas discordo veementemente de vc, Eduardo. Mesmo na fala popular, a concordância gramatical deve ser observada corretamente. Em nenhum caso, no meu entender, se pode falar - e ensinar a falar - 'os livro', 'as pessoa', 'as estrada'.
E só o alerta que a autora mesmo dá sobre 'preconceito linguístico' (???), se vc usar tal colocação, já comprova que a coisa está toda errada. Só porque uma parte da população fala assim, não quer dizer que esteja correto nem que vc deva ensinar isso, endossando o erro.
Beijo.
Caca disse…
Oi, Débora. Se a gente considerar que a educação (na maior parte dos casos) está mais voltada para repor mão de obra no mercado do que formar pessoas, não vejo tanto problema. Afinal, já temos advogados que não sabem redigir uma petição, engenheiros que não sabem escrever, médicos que nao conseguem interpretar um exame, então, a língua passa ser um detalhe de menor importância. Eu já desanimei um pouco com esse sistema de garantir diplomas e renegar a formação . Abraços e ótima semana. paz e bem.
Oi, Debora. Sua própria resposta ao meu comentário já reforça o ponto de vista da autora do livro. Você, numa mensagem escrita (de caráter bem mais formal que uma fala cotidiana), escreve "vc" em vez de "você". E por duas vezes. Você não faria isso ao redigir um ofício, por exemplo, mas escreveu aqui, num blog de internet. Por quê? Porque você usa a língua, e suas variantes, de acordo com a ocasião, que é justamente o que a autora quer ensinar naquele trecho do livro. Porque se fôssemos considerar seu ponto de vista, você teria escrito errado. Mas, considerando o ponto de vista da autora do livro, você escreveu de maneira adequada à situação. Para um leitor que tivesse o pensamento como o seu, você seria incoerente por defender a gramática na crônica e desobedecer a ortografia no comentário. Para um leitor que tenha o pensamento como o da autora do livro, você é uma pessoa com bastante consciência linguística por ser capaz de fazer um texto formal, segundo a norma culta, para publicação e, em seguida, ao interagir com seus leitores, usar uma linguagem escrita mais coloquial. Eu prefiro pensar da segunda forma.
Não, Eduardo, O 'vc' é uma linguagem usada na internet. E não está errado ou certo, é só uma abreviação virtual. Mas estamos falando de concordância, Eduardo. Eu não posso escrever 'Vc são umas pessoa ótima.' - nem num comentário virtual, nem num texto, nem falar dessa forma. Quer dizer, posso, mas está errado sob qualquer ótica.

Cacá, vc está certo: no próprio JN numa série sobre Empregos, os gerentes de RH afirmavam que há emprego, mas não há profissionais qualificados. Uma das razões é que muitos deles, formados (advogados, engenheiros, administradores), não sabem escrever corretamente, mesmo que seja um texto simples, um memorando. Então é assim: pra mudar essa triste realidade, é necessário mudar os rumos da Educação. De outra forma, não tem como melhorar e cada vez mais teremos 'alfabetizados' que não sabem ler, escrever ou falar.

Beijo nos dois.
Eliza disse…
Quando em sala de aula, por diversas vezes fiz correções de textos com os alunos utilizando os termos linguagem formal e linguagem informal. Para quem estudou linguística fica mais fácil compreender. Em nenhuma momento falou-se em ensinar o errado, mas sim em perceber que as diversas formas de falar estão presentes no cotidiano, e, conforme a necessidade, usar a mais adequada. Ou vc corrigiria os seus pais ou avós por omitirem o "s" do plural, por exemplo? E importante respeitar. É claro que em um ambiente mais formal é importante usar a língua culta. E o aluno é bem inteligente para entender estas diferenças. Não é uma teoria nova, apenas a autora foi mais clara que outros que já defendiam o tema, mas alguns gramáticos conhecidos que atacam a autora, nem sequer estudaram linguística na época que se formaram. É bom ir mais além no estudo do tema antes de sair repetindo os ataques à autora.
Victor disse…
Parte da confusão e das reações exageradíssimas das pessoas é que parece que a distinção fala X escrita não está clara.

A língua é uma faculdade humana fenômeno natural, presente em todas as sociedades e civilizações e que todo indivíduo nasce pronto para adquirir sem que seja ensinado. A fala precede a escrita em muitos milênios na verdade. A partir de um "input linguístico" fragmentado e incoerente, as pessoas começam a falar sentenças originais.

Já a escrita não é um fenômeno natural. A escrita é uma tecnologia que algumas civilizações inventaram para armazenar e transmitir conhecimentos de forma não presencial. Só que até hoje ainda existem línguas ágrafas, ou seja, línguas que não possuem escrita.

Logo, sendo a escrita uma tecnologia adquirida, regulada e não natural, como podemos defender a primazia das regras ortográficas sobre a língua que se fala, sendo esta um fenômeno natural e aquela uma tecnologia cujo objetivo primeiro é representar graficamente o fenômeno natural (e sempre sem sucesso total)?

Nossa noção está toda invertida. Não é a fala que sucede a escrita, mas o contrário. E não importa o esforço empregado, as línguas são incontroláveis, mudam e eventualmente desaparecem. A prova disso é o latim, que de tanto "erro" acumulado acabou dando origem à língua portuguesa.
Anônimo disse…
Normal isso. É o governo querendo acabar de vez com os pobres... E a educação que já é ruim...
Anônimo disse…
Somos a favor do tema "variação lingüistica" abordados no livro didático,pela autora Eloisa Ramos,pois ela está com inteção de facilitar a vida dos estudantes ,valorizando a oralidade dos alunos.
Assim afirma a autora "que cada linguagem é adequada para uma situação"
Olá, Elisa,
Eu estudei Linguística - sou formada em Letras - e ainda não consegui entender seu raciocínio quando fala de da importância de respeitar as 'diversas formas de falar'. Não vou corrigir meus avós, mas meus filhos, sobrinhos e netos, com toda certeza. Eu não acho que apenas num ambiente formal se deve usar a língua corretamente; estando num açougue ou num evento importante (dentro do contexto de importância para cada um) falar corretamente me soa fundamental.
Um abraço.
Ricardo Takeru disse…
O que está sendo promovido atualmente é a valorização do emburrecimento em várias esferas da vida cotidiana. Falar errado agora é cult e sinônimo de pessoas de mente aberta e atentas aos movimentos sociais. EM verdade, tudo não passa de eufemismos e engodos que visam a normatização da desconstrução cultural. E atacar a língua, marca registrada de um povo, é destruir sua identidade, vulnerabilizá-lo, ignorar sua história e barrar seu progresso.

Acho absurdo que tantas pessoas defendam que se deva nivelar a educação por baixo. E o MEC aprova!

Concordo plenamente com a opinião da autora, e estendo meu protesto a todas as demais formas de degeneração cultural que atendem a eufemismos como "inovador", "popular" e "dinâmico".
Ricardo Takeru disse…
Da autora do Post, não do livro!!!

(Apenas um esclarecimento mais que necessário!)

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