O PÁTIO >> É do ar do Pátio
Começou há uns vinte anos, por volta de 1991, quando um jovem estudante de História, Fabiano dos Santos, resolveu nomear de "internos do pátio" a si mesmo e ao Eduardo, ao Manu, ao Shariff e a tantos outros que passavam tudo que era tempo que não era aula — e até algum tempo que era aula — sentados em bancos de cimento, à margem de um hexágono de tijolos amarelos, à sombra de árvores ralas que usavam a tinta do sol para desenhar figuras abstratas no chão de cimento do pátio interno da Área 2 do Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará.
Naquele local — simples e até feio (para olhares mais ortodoxamente estéticos) — foram plantados poemas, canções, árvores e amizades que duram até hoje. Ali começaram e terminaram paixões. Ali se cantou e se dançou ciranda. Ali aconteceram exposições e até aulas. O pátio daqueles quatro anos de faculdade é um lugar tão cheio de lembranças que, como diria o cronista, só mesmo beijando-o. E é o que fazemos — nós, os internos — ao revisitá-lo de quando em vez.
Concluída a faculdade, levamos o pátio em nosso peito, mundo afora. Com Fabiano em São Paulo, para fazer um mestrado, deu-se início a uma troca de cartas diárias (quando os Correios conseguiam entregar uma carta simples de um dia para o outro) que gerou um fanzine, os Prontuários d'Os internos do pátiO, e depois um livro contendo cartas de um bando de gente de Fortaleza, São Paulo e até do Pará, que começou a participar da conversa que começou entre Eduardo e Fabiano. O tal livro, "Cartas do Pátio", é assim mesmo como o pátio: feinho e cheio de gente boa, belas conversas e textos inspiradores. Mas na época, 1996, eu, que fui o editor do livro, fiquei muito frustrado com sua feiura, sua parte gráfica: fiquei de mal comigo mesmo por aquele resultado.
Um ano depois, eu descobriria a internet e criaria o patio.com.br. Fui o primeiro interno a entrar no mundo virtual, e me senti meio sozinho on-line. Procurei então fazer com que o site — assim como seu local de origem, presencial — fosse um ponto de encontro de muitos assuntos e muitas pessoas. No início, a seção d'O Pátio de que eu mais gostava era o 5inco, uma seção hoje já desativada, que não recebe mais atualizações. No 5inco, eu entrevistava pessoas famosas e internautas desconhecidos sempre com as mesmas cinco perguntas. Uma delícia — e um trabalhão — atualizar aquilo. Mas o pátio mesmo, o espírito do pátio, ia se construindo de maneira mais sutil em outra seção d'O Pátio: o Crônica do Dia.
Eu havia convidado alguns webmasters (naquela época se usava esse termo) de sites culturais para fazermos um rodízio de escrita: cada um escreveria em determinado dia, ou selecionaria outras pessoas para escrever naquele dia. Esses webmasters e essas outras pessoas, após quase 13 anos de Crônica do Dia, já somam mais de 350 talentosas criaturas, algumas das quais se tornaram internas do meu peito: grandes amigos e amigas que admiro pela escrita e pelo jeito de ser gente.
O Crônica do Dia passou por vários formatos, já teve mais de 3.000 crônicas publicadas e de vez em quando alguém me perguntava:
— E o livro?
Eu tentava disfarçar, mudava de assunto, mas o alguém da vez insistia:
— Tá na hora de fazer um livro juntando os textos do Crônica do Dia.
Com o tempo, fui inventando uma resposta bonita que era mais ou menos assim:
— O Crônica do Dia para mim é pura leveza. Editar um livro dá muito trabalho, e eu não quero estragar o prazer que tenho com o Crônica do Dia.
Mas a resposta de verdade, dentro do dentro, era assim: Eu não tenho capacidade de editar um livro; já fiz isso uma vez e o resultado foi feio; além do mais, é impossível vender mil livros de uma edição independente, vou acabar novamente com algumas caixas juntando poeira e mofo em casa.
Até que ano passado, por algum motivo que ainda não compreendo, resolvi fazer esse primeiro livro do Crônica do Dia. Chamei alguns amigos desses 13 anos, e estamos organizando a coletânea ACABA NÃO, MUNDO, que será lançada em cinco cidades a partir de setembro.
Mas não é do mundo que quero falar hoje. Meu assunto é o pátio. Para testar um site que quero que faça a capa do livro do Crônica do Dia, solicitei a elaboração de um novo logotipo para O Pátio. Num concurso de designers, escolhi a nova imagem que aparece na página inicial d'O Pátio.
E a ilustradora também deve ser uma interna inconsciente porque foi bem além do briefing e me retornou uma imagem que é a cara do pátio: um rosto feminino, de cabelos esvoaçantes. Uma imagem que É do ar do Pátio, levando folhas e o traço horizontal da letra A. De vez em quando, vou ali n'O Pátio, sentado aqui no banco de cimento que hoje é minha cadeira, e fico admirando a linda cabeleira da árvore do pátio, tomando ar, fôlego e coragem para continuar levando o pátio por onde vou, juntando mais internos, produzindo mais palavras que toquem o pátio interno do peito de quem sempre foi interno e nem sabia — como você, desavisado leitor.
Comentários
Nem sempre comento, mas fico aqui, num cantinho, na sombra, ouvindo a conversa de vocês. E isso me distrai, me alimenta de coisas boas. Depois me levando, bato as folhas da roupa e sigo, catanto aqui e ali fragmentos de conversas que, pensados e repensados, viram novas conversas.
Parabéns pel'O Pátio, pelos escritos e pelo livro.
Um abraço
Fê Coelho.
Que beleza de texto! Me senti em avant-première lendo a Introdução do ACABA NÃO, MUNDO... segurando nas mãos a sua linda capa e me deliciando com o conteúdo desse povo maravilhoso que são os internos d'O Pátio!
Beijos,
que bom que você abriu as portas do pátio. E obrigado por ele continuar "pura leveza", mesmo lhe dando trabalho.
E o site 'antigo'? Fui lá rever... Que beleza... E uma coisa: na abertura em flash tem um texto: de quem é? Vc poderia me enviar? - se já o tiver digitado.
Adorei essas 'memórias'... Obrigada pelo texto. Beijo.