EU PAREÇO ESCRITOR?
>> Felipe Peixoto Braga Netto
Aconteceu faz uns anos. Ali, naquela livraria do cinema, pertinho da Praça da Liberdade. Ando sozinho pela praça e depois resolvo dar um pulinho despretensioso na livraria. Folheio os livros que estão no balcão principal quando vejo – coração bate mais forte – um cuja capa me parece familiar. Um homem, de costas, sem camisa, com chapéu de palha, entrando no mar, acompanhando por seus dois filhos – um garoto, um pouco mais velho, e uma menina, mais nova, de maiô vermelho.
Deus, é o MEU livro. Acho que nunca o tinha visto assim, não vou negar que senti um raro prazer estranho. Puxei conversa. "E aí, meu velho, como vai? Puxa, entre os títulos principais, hein? E a vida? Anda comendo direito?". Folheio meu filho e vejo que ele está bem, sadio e corado. Com todas as páginas, capa e título intactos. Quem são esses amigos, pergunto?
Depois de resmungar uns monossílabos (filhos não gostam de perguntas de pais), o deixo em paz e continuo o passeio – discretamente, claro, espio de rabo de olho para saber se ele não vai longe (a vida anda perigosa). Não passa um minuto – juro! – e uma menina, nem bonita nem feia, magra, de olhos claros e cabelo preso, entra na pequena livraria. Folheia displicentemente um livro de história da arte bem bonitão, larga e pega quem? Eu sei que o leitor está me olhando torto, com ar de "ah, sei...", mas por Deus que ela pegou "As coisas simpáticas da vida". E passou um tempão com ele na mão, passeando entre suas páginas...
Só nós dois na livraria. Eu a uns três metros dela. Ai meu Deus... Digo ou não digo? O prazer foi embora e em seu lugar chegou – sempre chega – uma antipática dúvida. Que eu faço? Pensei em comprar o exemplar e lhe dar de presente. Seria elegante. Pensei em chegar perto e dizer: "Me disseram que esse livro é horrível". Seria irônico, sabe-se lá aonde isso ia dar. Pensei até: "Olha, você não vai acreditar, mas eu sou o autor". Em carne, osso e modéstia. E nem com identidade eu estava, vejam só como a vida é injusta.
Fernando Sabino reclamava que não tinha cara de escritor. João Ubaldo Ribeiro foi barrado num evento em que daria uma palestra porque não teve jeito da moça da recepção acreditar que ele era ele. Eu tenho certeza que ela acharia que era uma cantada baratíssima e... um dos principais talentos que me falta, mas me falta de modo brutal, é esse de puxar conversa com desconhecidas. Por que, Deus, por quê?
E olha – lá vem o leitor com cara de "hoje em dia se mente tanto..." –, olha que ela, percebendo que eu a estava observando, ficou meio que me olhando, entrava e saía da livraria, entrava de novo, talvez esperando que eu a abordasse, dissesse algo surpreendente e gentil.
Como acaba a história? Ora, leitor, deixa de conversa. Não acaba, claro. Ela foi embora – não comprou o livro – e eu, depois de algum tempo, também.
Deus, é o MEU livro. Acho que nunca o tinha visto assim, não vou negar que senti um raro prazer estranho. Puxei conversa. "E aí, meu velho, como vai? Puxa, entre os títulos principais, hein? E a vida? Anda comendo direito?". Folheio meu filho e vejo que ele está bem, sadio e corado. Com todas as páginas, capa e título intactos. Quem são esses amigos, pergunto?
Depois de resmungar uns monossílabos (filhos não gostam de perguntas de pais), o deixo em paz e continuo o passeio – discretamente, claro, espio de rabo de olho para saber se ele não vai longe (a vida anda perigosa). Não passa um minuto – juro! – e uma menina, nem bonita nem feia, magra, de olhos claros e cabelo preso, entra na pequena livraria. Folheia displicentemente um livro de história da arte bem bonitão, larga e pega quem? Eu sei que o leitor está me olhando torto, com ar de "ah, sei...", mas por Deus que ela pegou "As coisas simpáticas da vida". E passou um tempão com ele na mão, passeando entre suas páginas...
Só nós dois na livraria. Eu a uns três metros dela. Ai meu Deus... Digo ou não digo? O prazer foi embora e em seu lugar chegou – sempre chega – uma antipática dúvida. Que eu faço? Pensei em comprar o exemplar e lhe dar de presente. Seria elegante. Pensei em chegar perto e dizer: "Me disseram que esse livro é horrível". Seria irônico, sabe-se lá aonde isso ia dar. Pensei até: "Olha, você não vai acreditar, mas eu sou o autor". Em carne, osso e modéstia. E nem com identidade eu estava, vejam só como a vida é injusta.
Fernando Sabino reclamava que não tinha cara de escritor. João Ubaldo Ribeiro foi barrado num evento em que daria uma palestra porque não teve jeito da moça da recepção acreditar que ele era ele. Eu tenho certeza que ela acharia que era uma cantada baratíssima e... um dos principais talentos que me falta, mas me falta de modo brutal, é esse de puxar conversa com desconhecidas. Por que, Deus, por quê?
E olha – lá vem o leitor com cara de "hoje em dia se mente tanto..." –, olha que ela, percebendo que eu a estava observando, ficou meio que me olhando, entrava e saía da livraria, entrava de novo, talvez esperando que eu a abordasse, dissesse algo surpreendente e gentil.
Como acaba a história? Ora, leitor, deixa de conversa. Não acaba, claro. Ela foi embora – não comprou o livro – e eu, depois de algum tempo, também.
Comentários
Será que um dia terei o prazer de sentir o q vc sentiu? Só acho que não deixaria a menina escapar.
E quanto ao vc se apresentar como o escritor... kkk!'Seria mesmo uma cena hilária. Eu, no lugar da moça, não acreditaria. Vai que é mais um doido que gosta de puxar conversa com estranhos???
Felipe, vc é ótimo!