O MAR E OS MINEIROS: A PROVA QUE FALTAVA
>> Felipe Peixoto Braga Netto

"O mar, meu filho, é uma espécie de saudade..."
Guimarães Rosa

Não haverá estudo decente sobre a alma mineira que exclua o mar. O mar, paradoxalmente, é algo mineiro. É algo que participa da psicologia de Minas. Não, claro, no dia-a-dia dos mineiros. Mas nos desejos distantes traduzidos naquele leve desabafo: "ah, se eu estivesse..."

Achei engraçada uma publicidade que vi tempos atrás: belas fotos de lugares típicos de Belo Horizonte. Só que atrás de todos eles havia, para espanto e prazer, o mar. Foi uma vingança divertida contra a natureza.

O leitor já presenciou um encontro do mineiro com o mar? Eu já. Abandona-se tudo: roupas pelo caminho, carro na calçada, mãe no hospital. Tudo passa, na lógica sedenta de sal, a ser secundário e pouco importante frente às azuis possibilidades marítimas.

O mineiro, conformado porque é o jeito, agora deu para zombar do mar. Li numa camiseta, dia desses, a seguinte frase: "Eu tenho pena do mar porque ele não banha Minas". Eu também tenho. E também achei simpática a brincadeira. É uma forma de dizer: "Tudo bem, você não me quer, mas não sabe o que está perdendo"... Soube depois que a ideia é antiga, lá do século dezenove. Já em 1891, Otávio Ottoni dizia em canção: "O mar suspira porque está longe de Minas". Será? Será Minas, velho mar, a causa dos teus suspiros?

Mas é fato que o mineiro se trai ao falar do mar. Logo ele, tão reservado e contido, se desmancha em excessos, revela saudade. Paulo Mendes Campos diagnosticou: "O mineiro é um marujo ao qual retiraram o mar". Maldade com o marujo mineiro. Mas lhe fez bem. Essa combinação de montanhas fez desse povo uma coisa única, dignamente bela. Talvez por isso o poeta, certa vez, tenha dito: "O mar de Minas não é no mar. / O mar de Minas é no céu, / pro mundo olhar pra cima e navegar / sem nunca ter um porto onde chegar."

Por que falo disso hoje? Por isso...

Eu vi, eu vi no sábado passado, 7 de novembro de 2009. Sabe esses programas de televisão que passam no final de semana e em que a família sorteada ganha casa nova, prêmios incríveis, passa por uma transformação notável? Pois estava lá uma humilde família mineira. A mãe, pedreira, e os cinco filhos. Além de um tio dos meninos.

Resumo do diálogo:

— Vocês ganharam uma casa nova toda mobiliada!

Reação da família: — "Êêê (baixinho).

— Vocês ganharam um carro e duas motos!

Reação da família: — Êêê (baixinho).

— Vocês ganharam uma conta corrente com trinta mil reais.

Reação da família: — Êêê (baixinho).

— Vocês ganharam uma viagem para conhecer o mar!

Reação da família: pulos, gritos, explosão de lágrimas dramáticas e muitos abraços!

Juro que não é piada. Eu minto sim, mas só às vezes.

Comentários

Kika disse…
Felipe, você me fez rir.
E não é que meu marido, mineiríssimo de BH, troca tudo, tudo mesmo, por um final de semana na praia?
beijos!
Kika
Anônimo disse…
Dois obrigados. A Kika, pelo comentário gentil. E ao Eduardo, que editou o texto, tornando-o bem melhor do que era.

Valeu, gente!

Felipe Peixoto
Valeu, Felipe! Que bom que deixou eu meter a colher nesse seu mexidão mineiro. :)
Meu coração, mineiro que é, reconheceu rapidin essa saudade salgada da imensidão d'água (que alguns insensivelmente chamam de mar. rs)...

Adorei o texto.
Ana Campanha disse…
Gostei demais da conta do texto, sô! Ê marão!
Sam Green disse…
Tudo bem, mas sem querer contrariar a "maioria" dos mineiros, eu ainda prefiro cachoeiras, montanhas e o céu inteirinho para navegar. Acho que agora os capixabas terão ainda mais inveja de mim! kkkkkk.
Adoro suas crônicas.
Unknown disse…
Felipe, eu vi esse programa que vc mencionou e adivinha? Chorei no momento da chegada da criançada à praia. Eu me desmancho em excessos quando o assunto é o mar, mesmo. Mas ele gosta de mim também. Namoramos à distância! :)
Cláudia disse…
Felipe, esta emoção toda é por causa da realização de um sonho! Isto sim é que vale! O mar é o sonho de muitos mineiros, como você já comprovou. Como sempre sua perspicácia é ímpar! Parabéns!
Anônimo disse…
Que legal sua crônica, Felipe. 'Inda ontem comentava a respeito de quando eu, mineira, vi o mar pela primeira vez, aos 18 anos: mudez total enquanto descia a Serra de Caraguatatuba vendo aquele montão de água pela frente... Tudo a ver o que diz! Adorei. Parabéns de sua nova admiradora.
Beijos minieiros!
Maria
albir disse…
Parabéns, Felipe,
um primor a sua crônica.
Anônimo disse…
Obrigado, gente, de verdade, pela leitura e pelos comentários.

Olha só, eu também prefiro as cachoeiras, mas é segredo. Rs...

Felipe Peixoto
Bel disse…
Tb sou mineira q prefiro as cachoeiras. Mas eu sei q temos algo com o mar.
Acho q qdo o encontramos pensamos: ah, agora sim posso descansar.
Ai sentamos a beira da praia, com os pés na areia, claro, e pedimos um camarão.
Pq camarão na praia tem outro gosto ne.

Felipe, obrigada por mais essa delícia.

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