VIAGENS >> Kika Coutinho

Há alguns anos atrás eu trabalhava em uma grande empresa e estava alocada em um projeto global, portanto estava na mesma equipe de pessoas que ficavam do outro lado do mundo e tinha diversas conversas telefônicas com os americanos.

Foi numa tarde normal, em que eu falava com uma gringa, que tive um instante de susto quando ela disse qualquer coisa como:

– Você estará disponível no dia tal a tal para participar de um workshop aqui em Chicago?

– What?! – foi o que eu respondi...

A gringa continuou falando, explicando, e eu achei que meu inglês devia estar mesmo muito ruim, porque tinha entendido que a mulher estava me chamando pra ir pra Chicago, imagine. Pedi pra ela mandar tudo por e-mail alegando que a ligação estava ruim. Acontece que, depois, ela me mandou mesmo tudo por e-mail, e era verdade. Alguém agilizou meu visto, passagens, hotel e etc. Estava mesmo tudo certo, mas eu custava a acreditar.

No dia de embarcar, quando cheguei ao aeroporto, cheguei a sentir-me relutante ao fazer o check-in. Eu estava muito envergonhada porque tinha a nítida sensação de que a mulher do check-in ia me dizer, espantada: “Senhora, de onde você tirou essa idéia de que iria para Chicago? Não tem nenhuma reserva aqui com o seu nome, deve ter sido um engano.”

E eu nem sei que cara ia fazer porque, na verdade, para mim, era óbvio que seria um engano! Quem, no mundo, ia pagar pra eu ir pra Chicago a não ser eu mesma, em 10 vezes? E nada tinha caído no meu cartão.

Muito sem graça e timidamente, fui até o balcão e dei meu passaporte. Decidi não falar nada, qualquer coisa iria me fazer de surda e muda e sumiria dali em dois tempos.

No entanto, para a minha surpresa, tinha mesmo uma reserva, e eu fui para Chicago sem gastar um tostão. Outras viagens se seguiram depois dessa, de forma que nem achei mais tão grande coisa assim.

Mas a história volta à minha cabeça hoje, toda vez que vou ao médico para ver o meu pequeno bebê, porque tenho uma sensação muito parecida com a que tive naquela noite, no aeroporto. Vivo achando que o doutor vai pôr aquele ultrassom na minha barriga, olhar, olhar, olhar e, de repente, vai dizer: “De onde você tirou essa idéia de que está grávida? Não tem bebê nenhum aí!”

E eu, mesmo com todos os papéis e exames, vou ter que ficar calada porque, de certa forma, é óbvio. Onde já se viu carregar um bebê, inteiro, vivo, dentro do bucho? Nas minhas piores cenas, imagino o médico lavando as mãos, se despedindo de mim e dizendo: “Essa barriga aí deve ser de cerveja. Dá uma maneirada, né?” Enquanto isso, eu saio sem graça, sem nem saber que gosto tem um chopp...

Acontece que, como no aeroporto, a realidade é muito melhor do que a minha tola imaginação pode acreditar. O médico sempre mostra o bebê, a mãozinha, o pezinho, tudo se mexendo, o coração batendo alto, enquanto eu fico bem calada, perguntando-me como a vida pode ser tão generosa comigo. É ainda mais inacreditável e muito, muito melhor, do que ir para Chicago...

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Comentários

Cristiane disse…
Ana, daqui a pouco a tua pequena vai estar dando tanta cambalhota dentro de você, que vai se perguntar como ela consegue fazer tanto malabarismo num espaço tão curto. Lembro que minha sobrinha soluçava dentro da barriga estufada da minha irmã!
Acredito que ser mãe é uma viagem muito, mas muito melhor do que ir para Chicago ou para o Tibet. Mas há que se ter fôlego para voar tão algo...
Quanto ternura nas suas palavras!
É, Ana... Meu diagnóstico médico é que a gravidez não afetou em nada a qualidade da sua escrita: mais uma crônica perfeita! :)
Carla S.M. disse…
Ai, Ana... você sempre tão fantástica! Realmente parece "Daydream" né? Mas não é... e dá muito bem para entender porque a vida é tão generosa com você. :)
Juliêta Barbosa disse…
Ana,

Mais um belo texto de uma mamãe em estado de graça... bjs

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