A VÍTIMA É O CULPADO >> Eduardo Loureiro Jr.

Alberto Ruggieri - corbis.comE eu que pensava que era o mordomo. Nossa cultura falante e extrovertida sempre desconfia dos calados e misteriosos. Mas o culpado, vejam só, era a própria vítima. Por trás daquela carinha triste -- de dar dó -- estavam as mais perversas intenções, desconhecidas até dela própria.

Hoje as vítimas não me dão mais pena, mas me fazem achar graça. E quando a vítima não é sonsa -- e nem lhe passa pela cabeça que ela é que é a culpada -- aí rio a valer. É como uma daquelas comédias antigas em que o palhaço flerta inconsciente e desajeitado com o perigo.

Quando alguém faz carinha de pobre coitado, eu já começo a armar meu sorriso. Quebrou o pé porque pisou num buraco? Perdeu o emprego numa demissão coletiva? Foi largada pelo marido ingrato? Tá com vontade de processar a prefeitura, pedir indenização, exigir pensão? Chega, gente. Eu não posso rir demais senão me dói a barriga.

Parei de assistir aos telejornais porque prefiro outro tipo de comédia -- mais positiva. E, mesmo rindo, a exposição constante injeta na gente o gérmen da vitimização. Quem é que consegue assistir ao noticiário todo dia e não se sentir vítima da crise mundial, das falcatruas, das politicagens, da bandidagem, do imposto de renda, das catástrofes?

Vítimas coisa nenhuma! Culpados! Se está incomodando, dói justamente onde a culpa é nossa. E vai continuar doendo enquanto não largarmos a culpa e assumirmos a responsabilidade.

Não aguento mais ver alguém bancando a vítima, reclamando da mulher, do vizinho, do chefe, da prefeita, dos congressistas, do presidente, da vida, do destino... e de Deus, então? Como reclamam de Deus! É um tal de "ai, meu Deus" pra cá, "meu Deus, o que foi que eu fiz pra merecer isso?" pracolá... Vão tomar conta da própria vida, meu povo. Eu não caio nesse chorinho besta de vocês, não.

Caiu, levanta. Perdeu, recupera. Errou, conserta. Morreu, reencarna ou ressuscita. E vamos deixar o mordomo trabalhar em paz.

Comentários

Uia, Eduardo! Deu até meda de você aqui...:)Adorei! Deixa o mordomo viver!! E, usando a desculpa do frio curitibano, vou proteger as orelhas, caso algo me caiba no texto e minha autocrítica não tenha me deixado perceber.:)
Marisa, numa semana eu lhe assusto, na outra lhe dou medo?! Mas este cronista está lhe tratando muito mal. :)
Carla S.M. disse…
Xiii... esta carapuça me serviu direitinho. "Chorinho besta" é minha especialidade. :)
Carla Dias disse…
Acho que todo mundo tem seu dia de barriga doendo de tanto rir das vítimas que se fazem de vítimas e da culpa que nem sempre é do mordomo. E é algo que merece atenção, pois qualquer um de nós pode se transformar numa vítima, assim, num estalo.
Vou refletir agora e me recompor... Acabei de dizer "ai, meu Deus!"
Bjs!
Unknown disse…
Adorei. O conteúdo e a forma. Tenho uma implicância quase declarada com quem está sempre reclamando ou culpando outros pelas suas escolhas. Culpados, com certeza.
Um beijo inocente pra você, rs
Eduardo, prefiro meus medos do que certos sustos...Portanto não assuste mais o povo aqui do Crônica, viu? :)
cArLa, parabéns por receber a carapuça com bom humor. :)

Carla, sabe que também fiz um pouco de vítima ao escrever a crônica? Afinal, o que é ela senão uma reclamação sobre as vítimas? Banquei a vítima das vítimas. :)

Parece que nem tão inocente assim, Claudia... Tô te achando parecida comigo: vítima das vítimas. :)

Ok, medo sem sustos para você, Marisa. :)
Ana disse…
...pois não é que vemos no Outro justamente o nosso reflexo?
Será que a impaciência com os lamentadores de plantão não vem precisamente daquele sentimento de auto-piedade que nos proibimos?
Lamentam-se todos, alguns mais, mas o que fazer com a dor da perda, com a frustração, com a injustiça(levante a mão quem se conforma com o 'merecimento'), com um amor perdido ou não correspondido?
Somos humanos, e lamentar-se - só um pouquinho, com o amigo certo - talvez ajude a sarar... lamber as feridas, colocar um band-aid... não seja tão duro, caro Eduardo. Fiquemos no meio-termo, aceitemos também nossa vulnerável humanidade...

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